Gosto muito das obras do antropólogo uberabense, JUVENAL ARDUINI. Recomendo aos meus alunos a leitura dos seus livros, mas principalmente o último, Antropologia: ousar para reinventar a humanidade. Vejam, a seguir, a resenha de André Azevedo:
A rebelião antropológica proposta por Juvenal Arduini é uma reação à sociedade de massa que reproduz cópias, multiplica o modelo predominante, enquadra idéias, gestos e costumes. O autor chama de "clonagem sociológica" o fenômeno de auto-reprodução contínua dessa padronização cultural. Ele afirma que há inesgotável potencialidade para a humanidade tornar-se emancipada, autônoma; mas a pedagogia da submissão imobiliza a revolta autêntica. Arduini argumenta que é necessário resgatar o sentido positivo dos termos "insubissão" e "re-volta" – enviar de volta o que é devido, devolver, restituir a dignidade usurpada –; termos que foram estigmatizados pela mentalidade conservadora. Arduini afirma que um comportamento adesista empobreceu o pensamento contemporâneo. "As pessoas aderem apressadamente a idéias, sistemas políticos, expressões culturais e credos religiosos", escreve. Essa adesão é incentivada pela sedução da publicidade maciça, de forma que "as pessoas incorporam atitudes introjetadas como se fossem decisões de sua própria vontade". A "adesão" é confrontada com o termo "opção". Ao aderir, o ser humano é conduzido por um modelo exterior; mas ao optar o homem afirma-se, assume responsa-bilidade intelectual, responde por seus passos e por suas conseqüências. A precisão em que o autor analisa os conceitos é justa-mente um dos pra-zeres mais estimulantes na leitura do livro. Arduini tem a habilidade de erguer as palavras, desnudá-la, examiná-la exaustivamente e trazer de volta o significado autêntico do termo. Esse processo - chamado hermenêutica, ou "a arte de interpretar" - ele desenvolve sobretudo através da contraposição de conceitos que, por causa da distração do leitor, antes não pareciam opostos. O texto de apresentação da obra não exagera quando anuncia a "constelação de temas" que Arduini rege no livro. Através de referências à mitologia, filosofia e antropologia, o autor ilumina dimensões do raciocínio que normalmente encontravam-se escondidas na sombra do senso comum. Um exemplo é a discussão sobre o problema da "diferença". Para ele, a diferença não é anormalidade nem distorção, mas originalidade que distingue personalidades. O autor escreve que há dois modos de interpretar os seres humanos: através do que possuem em comum e pelo que diferenciam. "Na primeira visão, os homens aparecem como repetidos. Na segunda visão, cada pessoa caracteriza-se por alguma singularidade. É o confronto entre a indiferença e diferença". De fato, o que é comum nos é indiferente. Somos naturalmente indiferentes às estatísticas que representam a miséria no país, por exemplo. A valorização da diferença impediria que a indiferença reduzisse os homens a coisas. "Ativar a diferença legítima entre pessoas, nações e culturas é avanço histórico da humanidade. (...) A indiferença tende a cancelar a diferença que incomoda", escreve. Saber conviver com as diferenças, portanto, é sinal de maturidade. Arduini contesta valores engessados que tornam-se dogmas. Cita Jurgen Habermas, que analisa o dogma-tismo como incapa-cidade de auto-reflexão. "O dogmatismo é utilizado para sufocar o surto emancipatório e impedir a discordância", escreve. Ele refuta, por exemplo, a "paz" que amacia a exploração para torná-la tolerável. "A verdadeira paz gera a coesão orgânica da humanidade. (...) A pseudopaz mascara a realidade". Por pseudopaz, entende aquela paz que anestesia consciências para imobilizar os revoltados. "É moralismo vazio prometer paz aos que nada têm para sobreviver. Há momentos em que protestar é paz, e silenciar é antipaz." Para ele, paz não é sossego, concordismo ou cumplicidade. "Paz requer bravura". (André Azevedo) | |
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