13 de nov. de 2008

CARASSOTAQUE



CARASSOTAQUE
Luís Augusto Fischer

CARASSOTAQUE, novo romance de Alfredo Aquino "CARASSOTAQUE" é um romance cujo tema central é o medo; o medo generalizado, silencioso e coletivo de toda a população de um local (imaginário), um país chamado Austral-Fênix, no qual os habitantes nativos perderam suas faces e suas cabeças. Ali apenas os estrangeiros mantém suas cabeças e vêem a todos os circunstantes com elas. E são vistos pelos habitantes locais também com suas próprias cabeças, daí serem apontados como os carassotaques. O livro é uma metáfora sobre o poder, sobre o autoritarismo demagógico, sobre a atmosfera opressiva e secreta que envolve e domina a todos, sobre a xenofobia, sobre o racismo e a discriminação contra os estrangeiros (ou todos os indivíduos que sejam considerados diferentes).Cara, sotaque, identidade. Enxergar a cara, entender o sotaque, encontrar a identidade. Atire a primeira pedra quem, na face da Terra, desconhece um desses três problemas. Quem não tenha vivido, com mais ou menos força, o império destas necessidades: divisar a cara, escutar o sotaque, viver a identidade.Talvez tudo seja fruto do Nacionalismo, essa forte ideologia que a modernidade herdou das antigas tribos e aldeias, dos velhos reinos e clãs, e potencializou como nunca antes, na história humana, desbordando do que era apenas circunstância, agora transformada em fetiche. De fato, faz uns quase trezentos anos que vivemos encantados debaixo desse manto, que encobre diferenças enquanto aglutina semelhanças - o Nacionalismo.É ele que nos fez odiar inimigos que poderiam estar ao nosso lado, como amigos e mesmo irmãos de viagem; mas, paradoxalmente, é também ele que nos faz ser minimamente solidários com os que vestem a mesma camiseta da seleção nacional que nós - mesma cara, sotaque parecido -, transformando-nos em irmãos provisórios. Nacionalismo, identidade, cara, sotaque. Carassotaque.É dessa matéria, dos fantasmas dela, das loucuras que a ela se associam, que Alfredo Aquino faz sua primeira incursão na narrativa longa.Este Carassotaque que o leitor tem nas mãos é uma distopia, prima melancólica das utopias antigas e recentes. Aqui, um fotógrafo atuando no estrangeiro enxerga o que os nativos não vêem; e, sendo fotógrafo, usufrui da grande virtude do metiê, que permite compartilhar o que vê com muita gente.Gente que muitas vezes não aceita enxergar o que o estrangeiro enxerga - o estrangeiro que estranha cara, desentende sotaque, desembarca da fantasia da identidade. O estrangeiro, só por ser o que é, ajuda a ver mais e melhor, e nem sempre os nativos aceitam ver-se naquilo que ele viu.Difícil como discutir as alternativas do mundo globalizado de nossos dias, fácil como percorrer uma exposição de grande arte, o livro de Aquino ajuda na reflexão sobre o que está aí e o que talvez venha adiante. Com sorte, aprenderemos a ver melhor, aceitando o que o estrangeiro viu que nós não víamos.

(resenha publicada em : Verdes Trigos)

2 de nov. de 2008

EU


(Yuji Martins Kodato)
Uma conclusão, ou um simples pensamento – uma vez que a poesia nunca se conclui no papel – se entrelaçou entre os meus dedos. As palavras soam ridículas, simplistas demais pela enunciação que as precedem: se sou um poeta, – se é que existem não-poetas entre as coisas que vivem – sou um poeta com um único texto a escrever.
O problema é que sou eu mesmo esse texto, e assim sendo não sei como abandonar o poeta e me colocar, enfim, como poesia. O problema se complica quando afirmo, com toda certeza que um homem são pode ter – ou seja, não tanta, mas toda que se pode ter – que sou tudo aquilo que se pode ser, que posso ser tudo aquilo que é. Por outro lado, pode-se resumir e simplesmente dizer que ser humano é isso mesmo: aquilo que todos escrevem de tantas formas diferentes e todos entendem por suas metades. E isso até me faz arriscar que ser humano é mesmo um ser fim de pedaços, metades e um-terços, que nós imaginamos como perfeição. Há quem diga que nunca se unirão, há quem diga que se unem pelo que serão. Se for assim, assumo com um ânimo nem tão heróico e poético – tão vivo como a rotina que precisa ser – essa singela função: escrever pedaços do que a vida humana é.
Às vezes penso que nunca vou conseguir, e o prazer de buscar o inalcançável me lembra que humano é aquilo que é quando não chega a ser. Ou aquilo que é quando chega ao não ser. Às vezes, um pequeno sorriso me faz, ao pensar que escrevo um longo fim de pedaços, metades e estrofes, e que é isso mesmo, que se unem e se fazem vida pelo que poderiam ser.
Quem sabe. Se você sabe, não me conte a resposta.

O HOMEM CONTEMPORÂNEO



COMO VIVE O HOMEM CONTEMPORÂNEO: seus prazeres, temores, conflitos e sofrimentos.

Acredito que nunca o homem procurou e criou tantas fontes de prazer, como na contemporaneidade. São lançamentos e mais lançamentos de jogos, filmes, músicas, etc.. A indústria de videogames e afins nunca lucrou tanto. As boates e bares nunca estiveram tão cheios. Nunca se explorou tanto a sexualidade humana. As grandes marcas de bebidas alcoólicas nunca cresceram assim.
Vejo o homem procurando algo para preencher um vazio profundo dentro de si, tentando encontrar ocupação para mentes vazias, tentando fugir de algo que nem se conhece. O homem tem sim encontrado muitas fontes de prazer, mas a maioria delas é passageira e superficial, fogo de palha, que não consegue suprir o desprazer que existe no mais profundo da alma humana.
Ao tentar compreender quais são os prazeres do homem contemporâneo, ouso dizer que o que mais se compreende são os temores deste homem. Creio que com essa busca incansável por prazeres superficiais o homem tenta fugir do seu maior inimigo, seu maior rival, aquele que lhe causa mais medo e temor: ele mesmo.
Posso ver hoje um homem que cria uma realidade virtual para não precisar conviver com sua “realidade real”. Um homem que bebe antes de dormir para não ter que deitar a cabeça no travesseiro e ficar pensando no dia de amanhã. Ou se pensar, não se lembrará no dia seguinte. Vejo um homem que se espreme em uma boate lotada para se sentir entre amigos, que está no meio de uma multidão e ainda se sente só. Posso ver homens se atolando com trabalho para não ter que voltar para casa e conviver consigo mesmo. O trabalho pode ser assustador, mas não tanto quanto ele mesmo. Vejo homens que hoje podem ter qualquer mulher no mundo, mas nunca terão o amor de nenhuma delas. Homens (e mulheres) que não querem firmar compromisso com ninguém, pois assim não precisaram ouvir a verdade sobre si mesmos e novamente reencontrarem com seu vilão mais temido.
Posso observar um homem contemporâneo que não suporta ser ao mesmo tempo Batman e Coringa, Deus e Diabo, bem e mal, pacificador e gladiador. Um homem que não compreende seus poderes e limites e não sabe o que pode ou não fazer. Penso que o homem tem medo do que pode encontrar dentro de si, porque pode ser que seja algo bom, mas e se não for? O que farei com tanto mal dentro de mim? Será que este mal é tão mau assim?
Pode ser também que ao olhar para si o homem encontre o bem, algo bom. Mas será que o bem é tão bom assim? Fazer bem a alguém não faz mal a mim? Será que quero ser bom? Ou não sou bom suficiente para ser bom? Porém, o quadro pode ser ainda pior. E se ao olhar para seu intimo o homem encontrar bem e mal convivendo juntos? O que fazer? São tão antônimos, mas parecem conviver tão bem?
O homem vive uma gangorra, um paradoxo infinito, um contentamento descontente. Penso que o maior temor do homem é sofrer por causa de seus conflitos ou então, resolvê-los e descobrir que os prazeres que viveu não passaram de mera fuga de si mesmo.
Você pode pensar que falo de mim, de você, ou de alguém que conheci.

Não se engane, falo de todos nós, afinal, quem não sofre?

Quem não teme?

Quem não tem dúvidas?

O homem contemporâneo sou eu, é você, é qualquer um que vive preso em seu paradoxo infinito.


(Analice Neres de Almeida Oliveira - 4P - PSICO-UFU)

22 de set. de 2008

SEM NOME


(Thais Velloso)
E no centro do infinito eu digo amém
E a perdição da forma da alma
O homem procura a beleza
A beleza da essência
E a cor do vento
O som que atinge os ouvidos
Ensurdece
E mostra que todo o feio
Pede pra ser mais bonito
Dionísio bate à porta
O sangue circula lentamente
Aproveitando cada parte do corpo
Respirando cada resto
De cada órgão
E os botões vão tentando controlar
Dominar
O aço, o metal, o inox
E realmente conseguem
Mas eu não vou
Deixa eu pegar
Tocar a beleza
A imensidão dos sons
Aqueles sons puros
E os sons já mexidos
Segurar a inquietude dos sorrisos
E lembrar da lágrima nos olhos
Lubrificando o coração

18 de set. de 2008

OLHE AO REDOR

Olhe para todos a seu redor e veja o que temos feito de nós.
Não temos amado, acima de todas as coisas.
Não temos aceito o que não entendemos porque não queremos passar por tolos.
Temos amontoado coisas, coisas e coisas, mas não temos um ao outro.
Não temos nenhuma alegria que já não esteja catalogada.
Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora, pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas.
Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo.
Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda.
Temos procurado nos salvar, mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes.
Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de ciúme e de tantos outros contraditórios.
Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível.
Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa.
Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada.
Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos o que realmente importa.
Falar no que realmente importa é considerado uma gafe.
Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses.
Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos não fui tolo" e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz.
Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos.
Temos chamado de fraqueza a nossa candura.
Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo.
E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia.
CLARICE LISPECTOR"
(colaboração: Thalita)

14 de set. de 2008

7 de set. de 2008

Humanismo



O Humanismo é um movimento filosófico surgido no século XV dentro das transformações culturais, sociais, políticas, religiosas e econômicas desencadeadas pelo renascimento.Com a idéia renascentista de “dignidade do homem”, isto é, o homem está acima da Natureza, o Humanismo coloca o homem no centro do universo e seu estudo merece algumas considerações particulares.Chegando ao século XVIII, na Filosofia Moderna, o homem é concebido como um ser ativo que domina a Natureza e com isso a sociedade. Embora não haja separação entre Natureza e homem dentro do movimento humanista, o homem é diferenciado dos demais manifestando suas diferenças na racionalidade, na moralidade, na ética, na técnica, nas artes, etc.No Humanismo o homem, como ser dominante, está em sempre se aperfeiçoando através do desenvolvimento proporcionado pela sua racionalidade.Mesmo datado de longa data, o Humanismo tem influência em várias áreas das ciências humanas. Sua importância reside na fundamental ruptura entre Igreja e Ciência, carregando consigo uma visão diferenciada do homem em relação aos demais elementos naturais.Crítica:É difícil conceber Humanismo devido às várias formas em que ele foi tomado pelas ciências humanas e pelas religiões, vindo a ser “humanismos” com características diferentes. Podemos falar de humanismo religioso, humanismo marxista, humanismo existencialista, etc. No senso comum o termo “humanista” freqüentemente é usado para caracterizar as pessoas que se preocupam com as causas sociais e com a caridade.Sem dúvidas que o Humanismo foi um dos principais movimentos filosóficos que mudaram os rumos do conhecimento. Mas sua idéia principal e original foi pretenciosa demais.A idéia de colocar o homem acima de todas as coisas e acreditar que ele é capaz progredir cada vez mais na temporalidade, soa um tanto quanto otimista demais. Daí decorre as dissidências do Humanismo original entre as ciências humanas.Sartre, filósofo existencialista francês, em sua obra “Existencialismo é um Humanismo”, ironizando o fato do homem atribuir um valor de superioridade a si mesmo, questiona o Humanismo clássico: “Tal humanismo é um absurdo, pois só o cachorro ou o cavalo poderiam emitir um juízo de conjunto sobre o homem e declarar que o homem é admirável.”Nesse sentido, tomar os pressupostos do Humanismo enquanto verdade seria como dar uma definição a nós mesmos da forma como queremos. A história tem mostrado que nem sempre progredimos; que a razão nem sempre está com a “razão”; e que racionalidade não significa a nossa salvação.Obs.: o humanismo existencialista se distanciava do humanismo clássico na medida em que o homem não supera sua existência e sua condição se voltar apenas para si mesmo (o centro de todas as coisas), mas sim, procurando o devir sempre no fora de si. E é humanismo porque coloca que o homem é o único responsável de si.
Fonte: http://www.logdemsn.com/2008/03/16/o-que-e-o-humanismo-que-surgiu-no-renascimento/

Humanismos


(CASTOR BARTOLOMÉ RUIZ)

"O adjetivo humanus me resulta tão suspeitoso quanto o substantivo abstrato humanitas, a humanidade. Nem o humano nem a humanidade, nem o adjetivo simples nem o substantivado, senão o substantivo concreto: o homem." (Miguel de Unamuno)

Numa sociedade em que os grandes ideais entraram em crise e os valores se relativizaram ao extremo, o humanismo aparece como a última fronteira onde se apoiar para defesa da dignidade (humana) e para sustentar a luta pelos direitos (humanos). Neste sentido, o humanismo retornou a ser um espaço (simbólico) de disputa e de poder. Porém, o retorno do debate sobre o humanismo se faz, também, desde a perspectiva dos questionamentos pós-modernos. Vejamos alguns.

Em primeiro lugar, o uso do termo humanismo, em singular, implica uma universalização difícil de sustentar. Afinal, de que humanismo estamos falando? Ao formular em singular o conceito humanismo estamos universalizando um modo particular de entender o humano. Neste sentido o humanismo pode tornar-se uma categoria padronizadora das singularidades pessoais e culturais.

O humanismo pode ser usado (e, de fato, se usou e se usa) como um novo marco ideológico universalista para homogeneizar o comportamento das pessoas sob um padrão de valores e atitudes que se considera universal e universalizável por ser humanista. O humanismo, em singular, representaria uma perspectiva do humano que, ao universalizar-se, serviria como instrumento ideológico para submeter a pluralidade do humano a um modelo único e verdadeiro.

Ainda mais, na prática, o humanismo que vigora é uma visão ocidental do humano que foi e é usada como instrumento para colonizar os povos e sufocar a pluralidade cultural. Nestes tempos de globalização intensiva, o humanismo pode tornar-se uma poderosa tecnologia para impor valores, padrões de vida, modos de existência como se fossem os mais humanos – quando, na verdade, reflete não só um modo hegemônico de ver as coisas, senão que também esconde interesses de dominação social.

A visão do humanismo, em singular, está ancorada na percepção de que a natureza humana é uma essência uniforme que todos temos por igual ao nascer e que se desenvolve de modo particular na personalidade e cultura de cada um. Essa essência humana é identificada, na tradição ocidental, com a racionalidade. A tal de essência humana se desabrocharia de modo homogêneo em todos os indivíduos e a personalidade de cada um não seria nada mais do que o modo acidental como se dá a essência em cada circunstância.

A crítica pós-moderna ao humanismo pretende desconstruir essa pretensa essência humana universal que reduz a singularidade de cada indivíduo e de cada cultura a um mero acidente secundário. Nesta perspectiva, a ênfase está colocada na especificidade de cada sujeito e na particularidade de cada cultura. Ninguém é igual ao outro e não existe nenhum elemento cultural que se possa dizer universal ou universalizável, incluídos os valores ou princípios éticos. Não existiria nada de universal no humano que possibilitasse uma identificação plena com o outro. Neste caso tudo é relativo (exceto o relativo que se torna um princípio absoluto), pois depende de cada indivíduo e circunstância. Como dizia Ortega y Gasset, "Eu sou eu e as minhas circunstâncias".

Mas, quem sou eu? O relativismo absoluto (além de ser uma contradição em si mesma) não é uma alternativa ao humanismo singular e essencialista, pois deixa mais interrogações dos que resolve. Se não existe nada humano que nos una, então como posso reconhecer o outro como um semelhante? Se afirmarmos a singularidade e o relativismo até o extremo, e já que não existe nada em comum que nos identifique como humanos, podemos afirmar a superioridade de um sobre outro, pelo motivo que for, ou de uma cultura sobre outra? Certamente que os críticos pós-modernos do humanismo não pretendem isso; pelo contrário, seu objetivo é afirmar a singularidade sem hierarquias. Mas, ao retirar a possibilidade de natureza comum do humano, está colocado o princípio possível da desigualdade natural entre os indivíduos – e daí a uma teoria de superioridade racial é só questão de tempo, oportunidade ou circunstância.

Então deveremos afirmar o humano em plural. Temos que falar em humanismos. Há muitos modos de se realizar o humano, muitos caminhos para criar a vida, muitos horizontes para inovar a existência. Não podemos pensar o humano, nem o humanismo, como uma essência única e universal que padroniza os indivíduos e os direciona sob um modo natural de ser pessoa.

Os humanismos, longe de serem umas ideologias uniformizantes e colonialistas, são uma abertura incerta e criativa para reinventar a própria existência. Porém – e mesmo afirmando a pluralidade irredutível do humano –, existe algo de comum que nos identifica com o semelhante e que nos diferencia das outras espécies. Eu reconheço na outra pessoa (inclusive no homem/mulher do paleolítico) um outro como eu, e não o reconheço num chimpanzé. Isso não é um mero traço cultural, não é só uma identidade fabricada. O outro, que é diferente de mim e que nunca poderá ser redutível a um conceito ou essência pré-definida, tem algo de comum pelo qual podemos nos reconhecer como semelhantes e diferentes ao mesmo tempo.

O outro é uma alteridade irredutível a qualquer categoria universalizante ou sistema homogeneizador, mas ele também não pode ser diluído no relativismo das identidades culturais, como se só existisse enquanto circunstância histórica produzida por uma casual confluência de fatores.

O humano remete a uma dimensão insondável da pessoa, um sem fundo inexaurível por nenhuma essência e inexplicável por qualquer racionalidade. Esse sem fundo humano é pura criação; somos uma força criadora (imagem e semelhança do Criador) que, ao entrar em contato com o mundo, o fazemos criativamente, nos apropriando de modo singular das circunstâncias, interagindo de forma criativa com todos os fatores que nos atingem. Desse modo nos constituímos como seres únicos, como pessoas com identidades irrepetíveis. Não existe um modelo definido ou universal para ser pessoa, pois a pessoa é força criadora que interage imaginativamente com suas circunstâncias e que se autoconstitui pela própria prática criativa. A ação criadora do sem fundo humano produz ao mesmo tempo um modo de inserir-se no mundo e constitui a própria pessoa; ela se faz assim mesma pela prática criativa em interação com as circunstâncias que a afetam.

É deste modo que podemos afirmar o humano como uma natureza comum que nos permite reconhecer o outro como alguém semelhante a mim; mas, concomitantemente, esse humano é sempre único, singular e irrepetível. O outro é alguém que, como eu, se autoconstitui pela prática singular da ação criadora – capacidade criadora que reside na natureza comum do humano e que é um sem fundo insondável de ação inovadora.

Podemos (e devemos) afirmar a pluralidade dos humanismos ao mesmo tempo em que sustentamos uma natureza comum do humano. Isso sem petrificar o humano numa essência comum padronizadora nem diluir a pessoa num relativismo inconseqüente.

Fonte: http://www.humanas.unisinos.br/info/castor/index.htm

6 de set. de 2008

Todas as mulheres em mim


Todas as Vidas

Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé
do borralho,
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...
Vive dentro de mim
a lavadeira
do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d'água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde
de São-caetano.
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada,
sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
-Enxerto de terra,
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo ser alegre
seu triste fado.
Todas as vidas
dentro de mim:
Na minha vida -
a vida mera
das obscuras!

Cora Coralina

EROS E PSIQUE



Havia um casal de rei e rainha que tinham três filhas, sendo que a mais jovem era a mais bela das mortais e estava sendo adorada no lugar de Afrodite, como deusa do amor e da beleza.

Afrodite com ciúmes ordenou a seu filho Eros que fizesse Psiqué se apaixonar pelo homem mais monstruoso. O pai de Psiqué consultou o oráculo de Apolo sobre o destino de sua filha, e a resposta foi que ela deveria ser levada ao alto de um rochedo onde se uniria a um monstro horrível.

Eros, no entanto, ao tentar atingir Psiqué com uma de suas flechas, acabou se ferindo e se apaixonando por ela. Pediu então ao vento Zéfiro que a transportasse para o seu palácio. No palácio de Eros, Psiqué foi servida, nos seus desejos, por vozes. Eros vinha à noite, se unia a Psiqué, sem se deixar ver, e desaparecia antes do amanhecer.

As duas irmãs de Psiqué foram à montanha chorar a ausência desta, que, entristecida, pediu a Eros que as trouxesse ao palácio. As irmãs foram trazidas ao palácio, mas ao verem-na tão rica e feliz sentiram muita inveja e quiseram conhecer o marido de Psiqué. Esta, prevenida por Eros, não respondeu às perguntas e mandou-as de volta.

As duas irmãs eram infelizes com os maridos – um deles era feio e avarento, e o outro era velho e doente. Psiqué, pouco tempo depois, já estava chorando novamente de saudades das irmãs e pedindo a Eros que as deixasse visitá-la de novo. Novamente as irmãs foram levadas pelo vento Zéfiro ao palácio, e desta vez foram mais convincentes e conseguiram fazer Psiqué acreditar que seu marido seria uma serpente gigantesca e monstruosa. Psiqué estava grávida, mas segundo suas irmãs, o marido monstruoso não tardaria a devorá-la.

Psiqué, então, confusa com a conversa das irmãs, acabou lhes confessando não saber quem era seu marido. As irmãs então a fizeram preparar uma lamparina e um punhal. Com a lamparina ela deveria iluminar o rosto de seu esposo e com o punhal cortar-lhe fora a cabeça. À noite, quando Eros já dormia, Psiqué acendeu a lamparina e viu o rosto do marido – um homem belíssimo. Não conseguindo mais pensar em matá-lo, deixou cair o punhal. Ao ver sua aljava, foi tocá-la e se feriu numa das flechas, desta maneira, ficando perdida e eternamente apaixonada por ele. Sem se dar conta, deixou pingar uma gota de óleo quente da lamparina no ombro de Eros, acordando-o e fazendo-o fugir do palácio.

Psiqué, desesperada com a ausência do marido, tenta se matar, jogando-se num rio, mas as águas a devolvem a terra. Pan, que estava por perto, aconselha-a que chame e procure pelo esposo. Enquanto isso, Afrodite fica sabendo que Eros está ferido, e pior ainda, apaixonado por sua rival Psiqué. Curiosa, vai ao encontro do filho. Psiqué, depois de pedir em vão ajuda às deusas Hera e Deméter, e cansada de procurar por Eros, resolve ir ao encontro de Afrodite, para lhe pedir perdão.

Afrodite, no entanto, a recebe muito mal, humilha-a, espanca-a e ainda lhe impõe quatro tarefas: A primeira tarefa seria separar uma montanha de sementes por espécie, durante o período de uma noite. Psiqué sabia ser uma tarefa impossível para ela, mas vê aparecerem várias formigas que a ajudam e as sementes são rapidamente separadas.
Afrodite, furiosa, lhe passa a segunda tarefa: exige que Psiqué lhe traga, sem falta, flocos da lã de ouro dos carneiros ferozes que existiam ali perto.

Psiqué pensa mais uma vez em se jogar no rio, mas um caniço da beira do rio lhe sugere uma solução para o problema – ela não deveria se aproximar dos carneiros com o sol a pino porque eles estariam enfurecidos e poderiam matá-la. Ela deveria aguardar o calor diminuir, os carneiros, indo descansar, deixariam flocos de lã presos nas árvores do bosque. Seria então fácil para Psiqué colher a lã de ouro que precisasse. E assim foi feito.

Afrodite agora mais furiosa, achando que Psiqué só conseguira se desincumbir das tarefas por estar sendo ajudada por Eros, ordenou-lhe que cumprisse mais uma: com um vaso de cristal dado por Afrodite, Psiqué deveria apanhar água da fonte dos rios Cocito e Estige (rios infernais – sua nascente era guardada por dois dragões).

Psiqué novamente pensou em desistir de tudo, mas desta vez foi ajudada pela águia de Zeus, isto é, o próprio Zeus metamorfoseado em águia cumpriu a tarefa por ela.
Veio então a quarta tarefa, e a mais difícil de todas: Psiqué deveria buscar no Hades, o reino dos mortos, com Perséfone, sua rainha, uma caixa que continha a "poção da beleza imortal" para ser entregue a Afrodite.

Psiqué, totalmente desesperançada, subiu a uma torre alta para se jogar lá de cima. A torre, no entanto, aconselhou-a a como se desincumbir satisfatoriamente desta empreitada: deveria levar na boca duas moedas para pagar a passagem de ida e volta ao barqueiro Caronte. Em cada mão levaria um bolo de cevada para dar ao cão Cérbero que guardava a entrada e saída do Hades. Ela sofreria quatro tentações ao longo do caminho: primeiro passaria por um homem coxo, puxando um asno também coxo que carregava lenha. Deveria recusar-se a ajudá-los. Depois, já no barco de Caronte, um velho surgiria da água e lhe pediria "carona" no barco. Psiqué não poderia ajudá-lo. A terceira tentação seria quando passasse por tecedeiras que também lhe pediriam ajuda, e mais uma vez deveria se negar em ajudar.

Por fim, a quarta tentação seria quando encontrasse Perséfone, não deveria aceitar o seu convite para jantar, o mais importante de tudo: logo que conseguisse a caixa, teria que retornar rapidamente sem abri-la. Psiqué seguiu as instruções da torre em quase tudo, mas não resistindo à curiosidade sobre a caixa da beleza, acabou por abri-la e caiu num sono mortal.

Eros então, penalizado, vem agora em socorro de sua esposa. Guarda de novo o conteúdo na caixa e desperta Psiqué novamente para a vida. Zeus eleva Psiqué à imortalidade do Olimpo. Do casamento nasce uma menina chamada Volúpia.



EROS E PSIQUÉ – SOBRE A INDIVIDUAÇÃO DA MULHER

Para entender melhor a leitura deste artigo, você precisa primeiro conhecer o conto "Eros e Psiqué", pois aqui se propõe um rastreamento simbólico da formação individual da mulher, a partir deste conto, que usa atributos de deuses mitológicos, para criar uma história arquetípica. Recompondo-a, compreendemos o eu feminino individual e socialmente.

Há um conflito no processo de individuação do feminino. Este conflito parte das expectativas da sociedade sobre a mulher, dos papéis que lhe são reservados, e de seus anseios individuais.

Ao lermos o mito de Eros e Psiqué, podemos interpretar instâncias relacionadas ao universo social feminino, tais como o casamento e os papéis de filha e de mãe.
O casamento é um rito que marca a transição entre papéis tipicamente femininos: os de filha, de esposa e de mãe. Toda mulher, ao vivenciar o amor com um homem, rompe o cordão umbilical que a liga à sua mãe. Esse rompimento compara-se à morte simbólica da filha e à passagem para as condições de esposa e de mãe, para as quais a menina deve tornar-se mulher.

A evolução narrativa do mito de Psiqué corresponde ao processo de individuação da mulher, que parte da condição de filha para a disputa com Afrodite (mãe de Eros), motivada pela vaidade ou busca de um ideal de beleza, como condição para encontrar seu próprio caminho. Para perceber isto, basta ao leitor fazer correlações entre a simbologia do conto e os processos psíquicos de formação do eu.

Psiqué: personagem feminina cuja beleza provoca os ciúmes de Afrodite. Representa a mulher que, motivada pela competição feminina em benefício da vaidade, parte em busca de seu próprio eu.

Vozes: servem Psiqué no Palácio de Eros, depois deste haver se apaixonado por ela, ao tentar atingi-la com uma flecha, para cumprir as determinações de Afrodite e fazer Psiqué apaixonar-se por um monstro. Como o feitiço volta-se contra o feiticeiro, Eros apaixona-se por Psiqué e arrebata-a ao seu Palácio, onde vozes a atendem em todos os seus desejos. Essas vozes representam à fase ideal do enamoramento por que passam as relações amorosas.

A chegada de Psiqué ao Palácio de Eros: representa a descida ao inconsciente. A auto-análise requer uma fase em que há vozes a serviço do eu, em que a felicidade parece haver sido encontrada definitivamente. Isto corresponderia à fase imediata ao já referido rompimento do cordão umbilical, em que a menina torna-se mulher pela experiência de enamoramento, pela sensação de casamento, sem estar necessária e legitimamente casada, mas apta a assumir os papéis de esposa e mãe.

As duas irmãs invejosas: exercem os papéis de filha e mãe dentro de seus casamentos, em relação a seus maridos, pois um é velho e feio (filha), e o outro é doente (mãe). Somente Psiqué parece não haver estagnado no papel de filha ou pulado para o de mãe, mas vive uma fase ideal importantíssima no processo de individuação da mulher, em que o ideal de felicidade se lhe afigura na presença amorosa de um homem provedor/protetor, para o qual a mulher parece predestinada.

O punhal e a lamparina: Psiqué, induzida pelas irmãs, aproxima-se de Eros com um punhal e uma lamparina, enquanto ele dorme, a fim de desvendar seu mistério e assassiná-lo. Porém, descobre nele um homem lindo e, ferida por uma flecha de sua aljava, apaixona-se por ele também. Mas deixa cair óleo quente da lamparina sobre seu ombro e o desperta. Ele foge, deixando-a sozinha. O punhal é o elemento que corta e separa, representa o corte racional necessário para a individuação da mulher, o distanciamento emocional necessário à compreensão de sua própria condição feminina, independente da figura masculina ou de qualquer outra. A lamparina é a luz da consciência, não dissociada do punhal.

A saída do Palácio: representa a busca independente da mulher por seu próprio eu, através do amor personificado em Eros.
A partir deste momento, na narrativa, a mulher enfrentará obstáculos, mas contará com o auxílio de outras entidades em benefício da auto-superação. Essas entidades são representações de virtudes essenciais no processo de individuação, tais como, o deus Pan (representa o instinto), Hera, Deméter e Afrodite (representam à rivalidade, a indiferença e a própria violência intrínseca ao processo de individuação, pois essas entidades negam ajuda a Psiqué, aumentando-lhe a dor e o sofrimento necessários à maturação individual).
Afrodite lhe impõe quatro tarefas impossíveis que representam situações de auto-superação:

1. Separar uma montanha de sementes por espécie, durante o período de uma noite: tarefa onde Psiqué conta com a ajuda das formigas. A montanha de sementes por espécie simboliza os complexos inconscientes que, individualmente, constituem elaboração e crescimento virtuais. As formigas representam à paciência, a diligência e a sabedoria instintiva para distinguir os complexos amontoados.

2. Trazer flocos da lã de ouro de carneiros ferozes: representam à impulsividade agressiva, irreflexiva e negativa. Esta tarefa leva Psiqué a pensar em suicídio pela segunda vez, mas ela conta com a ajuda de um caniço, que representa a salvação e a sabedoria, a necessidade de esperar para agir, de meditar primeiro para não agir precipitadamente.

3. Apanhar água da fonte dos rios Cócito e Estige, com um vaso de cristal dado por Afrodite: esses rios referidos são infernais e guardados por dois dragões, mas Psiqué conta com a ajuda do próprio Zeus que se transforma numa águia e cumpre a tarefa por ela. A água representa a vida no seu fluir até a morte que, por não poder ser retida ou controlada pela humanidade, deve ser manipulada apenas pela divindade, donde a intervenção de Zeus na narrativa.

4. Buscar a caixa da beleza imortal para entregá-la a Afrodite: essa caixa estava com a rainha Perséfone, no reino dos mortos (Hades). Mas desta vez Psiqué conta com a ajuda da própria torre na qual sobe para suicidar-se diante da dificuldade da tarefa. A torre simboliza uma construção humana como sua própria consciência, a introversão e o isolamento necessários à amplitude da mesma consciência.

Essas quatro tarefas têm em comum o grau de dificuldade desanimador que culmina com o desespero da personagem, sendo, no entanto, compensado pelo auxílio das formigas, do caniço, de Zeus e da torre que representam instâncias reguladoras do processo de maturação feminina.

As tentações de Psiqué:

A torre a aconselha a munir-se de duas moedas para pagar a passagem de ida e volta do Hades a Caronte, e de bolos de cevada e mel para dar a Cérbero, mas a alerta para tentações que têm em comum a motivação do lado bom de Psiqué. O processo de maturação do eu feminino requer, às vezes, uma renúncia à bondade, uma indiferença às necessidades alheias e periféricas diante da necessidade individual da mulher, por isso a torre pede a Psiqué que tenha forças para resistir à tentação de ser piedosa. Essas tentações estão representadas no conto por:

1. Um homem e um asno coxos: Este homem chama-se Ocnus e deixa cair a corda com que puxava o asno. Ele seria a representação da hesitação à medida que, naquelas circunstâncias, não se poderia sair do lugar (a busca da perfeição feminina não pode desobstinar-se diante da imperfeição humana ou animal).

2. Um velho que lhe pediria carona no barco de Caronte: esse velho representa neuroses, que às vezes dominam a consciência. Há pessoas que surgem no caminho da individuação feminina e cuja aparência madura pode indicar benefícios a este processo pessoal, mas deve haver resistência por parte da mulher, pois se tal processo é individual, a ajuda mútua recorrente pode não ser útil. Digo recorrente porque, em outros momentos do conto, Psiqué já fora ajudada por entidades mais experientes, estando inclusive gozando desta ajuda para discernir a tentação do velho. Quando você ajuda alguém, você tende a identificar-se com este alguém e Psiqué não poderia identificar-se com a maturidade do velho, como não o pôde com as limitações físicas do homem e do asno, e como não o poderá com o enredamento dispersivo das tecedeiras.

3. Um grupo de tecedeiras: essas tecedeiras seriam em número de três e estariam associadas às três moiras (Cloto, Láquesis e Átropo), as divindades do destino na Grécia. A lição aqui seria não dar atenção ao destino, não tentar entendê-lo e nem manipulá-lo, mas deixar que as coisas aconteçam. As tecedeiras poderiam representar, entre os fios de tecidos de seu trabalho, caminhos que poderiam dispersar Psiqué de sua tarefa principal àquele momento.

4. O convite de Perséfone para jantar: nada, por mais prazenteiro que seja, deve atrapalhar o alcance de sua meta. Estabelecer relações com as pessoas no seu caminho pode desviá-la de sua meta.

Finalmente, todas essas categorias de tentação são vencidas, cada uma com seu próprio ensinamento. Apesar de serem uma luta contra a própria natureza. Há, porém, uma tentação relativa à curiosidade feminina, que leva Psiqué a abrir a caixa da beleza e cair em sono mortal.

Isto lhe vulnerabiliza e a condiciona à intervenção masculina e divina personificadas respectivamente em Eros, que a ajuda e a desperta para a vida, e Zeus, que a imortaliza no Olimpo, dando origem à outra entidade feminina que recebe o nome de Volúpia.

Psiqué, ao desincumbir-se das tarefas e manter sua beleza, desperta medo em Eros por parecer com Afrodite. Mas, ao vulnerabilizar-se, reacende os cuidados de Eros.
Ser mulher é isto: um entre-lugar onde força, vaidade, autoridade e fragilidade se misturam para provocar o imaginário masculino.

Indicação de leitura:
BOECHAT, Paula Pantoja. Eros e Psiqué – sob o ponto de vista da individuação da mulher (p.97-112) In: BOECHAT, Walter (Org.). Mitos e arquétipos do homem contemporâneo. Petrópolis, Vozes, 1995, 198 págs.

(Helder Bentes)


O arquétipo junguiano

(Gilberto André Borges)
O inconsciente é parte da psique humana e está presente em todas as nossas atitudes e em todos os momentos de nossa vida. Durante o sonho é que se manifesta de maneira mais explícita e com todo o simbolismo de seus arquétipos. Segundo Jung, “o sonho é um fenômeno psíquico normal que transmite à consciência reações inconscientes ou impulsos espontâneos”. Esses fenômenos nem sempre fazem parte da vivência pessoal do indivíduo.
Segundo sua linha de argumentação, conclui que a mente também sofreu um processo de evolução: “Nossa mente não poderia ser um produto sem história.” E que nossa mente atual está baseada na estrutura mental dos homens pré-históricos, assim como nossa estrutura física também se baseia no corpo do homem primitivo. Estes elementos que aparecem no sonho e que não fazem parte das experiências do indivíduo são o que Freud chamava de “resíduos arcaicos” e que Jung denominou “arquétipos” ou “imagens primordiais”.
Arquétipos não são conceitos prontos, facilmente explicáveis pela nossa linguagem formal e lógica, pois são registros da evolução da nossa mente gravados no inconsciente através de símbolos e é esta linguagem simbólica dos arquétipos que encontramos no sonho.
Chamamos instinto aos impulsos fisiológicos percebidos pelos sentidos. Mas ao mesmo tempo, estes instintos podem também se manifestar como fantasias e revelar, muitas vezes, a sua presença através de imagens simbólicas. São a estas manifestações que chamou de arquétipos. A sua origem não é conhecida; e eles se repetem em qualquer lugar do mundo - mesmo onde não é possível explicar a sua transmissão por descendência direta ou por fecundações cruzadas resultantes da migração
Jung cita alguns exemplos que aliados a este argumento, discutem a veracidade da existência dos arquétipos em nossa mente. “Então por que supor que seria o homem o único ser vivo privado de instintos específicos, ou que a mente desconheça qualquer vestígio de sua evolução?”, pergunta.
Para ele, alguns sonhos adquirem um aspecto de premonição porque a mente inconsciente, assim como o consciente também se ocupa do futuro e também possui a capacidade de examinar e concluir. “... Pode mesmo utilizar certos fatos e antecipar seus
possíveis resultados.”
Assim como os complexos, os arquétipos também possuem uma energia própria, mas enquanto os complexos agem a nível individual, acarretando conseqüências para um só indivíduo, os arquétipos agem a nível coletivo até mesmo influenciando a humanidade a determinadas atitudes diante de fatos históricos.
Quanto mais avançamos cientificamente e julgamos elucidar os mistérios da existência, mais nos afastamos da natureza e ilusoriamente de nossos símbolos e mitos, pois apesar de o homem contemporâneo se julgar evoluído o suficiente a ponto de não necessitar de mitos, se encontra cercado por eles sem o saber. Apenas nos distanciamos de nossos mitos arcaicos. Isto pode ser prejudicial, pois estes símbolos não se perdem, mas passam a agir de maneira indireta e fazem isto por meio da força dos arquétipos, no inconsciente. Em nível pessoal, isto pode manifestar-se através de neuroses ou de comportamentos diversos que chamamos idiossincrasias e a nível coletivo, influenciar o modo de pensar e agir de todo o contingente humano em determinada época ou cultura. A repressão aos nossos símbolos inconscientes pode até mesmo ser perigosa e
Jung cita dois exemplos históricos recentes: a tão civilizada Alemanha, que deflagrou no início do século duas sangrentas guerras e a “guerra-fria” entre o mundo ocidental e a antiga União Soviética do período Stalinista. À luz da ciência, a humanidade afastou-se de seus símbolos e mitos e perdeu a noção do sagrado que dava significação a sua existência. As pessoas têm a impressão de que há, ou haveria, uma grande diferença se pudessem acreditar positivamente num sentido de vida mais significativo, ou em Deus e na imortalidade.”
Jung destaca dois tipos de símbolos: os “símbolos naturais” e os “símbolos culturais”. Os “símbolos naturais” são os símbolos inerentes ao desenvolvimento da psique humana e os “símbolos culturais” são aqueles assimilados pelo homem do seu meio e tomados ao pé da letra transformando-se em “verdades eternas”, o que é ilusão, pois verdades eternas não existem. O homem contemporâneo afastou-se de seus mitos e símbolos religiosos e “privouse dos meios de assimilar as contribuições complementares dos instintos e do inconsciente”.
Isto gerou um desequilíbrio, compensado, entre outras formas, a nível individual pelos sonhos. Jung disserta sobre a importância dos símbolos na interpretação dos sonhos. Os símbolos podem ter diversas funções. Dentro do sonho, por exemplo, podem querer transmitir ao indivíduo mensagens referentes às conclusões do inconsciente referentes ao futuro (premonições), ou uma gama enorme de significados, que devem ser analisados caso a caso, pois variam de indivíduo para indivíduo, segundo seus códigos de valores e sua vivência.

B I B L I O G R A F I A
JUNG, Carl Gustav. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro. Ed. N. Fronteira, sd


PEIXINHOS DOURADOS-Sonhos


(CECILIA LOMÔNACO)
No sonho de Kurosawa que assisti na aula de Psicologia, a criança, símbolo de uma humanidade que ainda não se conhece propriamente, sai de casa. A criança sai do lugar comum que cotidianamente habitamos. Sai do universo consciente da razão, do mundo dos símbolos, das tradições, dos conceitos e das representações. Sai do mundo familiar em busca de algo que percebe, claramente, estar faltando. É uma personagem feminina que o conduz até o altar vivo, interativo, dinâmico. E é ali, diante de si mesmo, que encontra o que pressentia lhe faltar ...
No sonho de Cecília, daquele mesmo dia, havia um quarto com quatro camas, duas delas em beliche. Escolho para dormir aquela mais próxima à janela, mas dali vejo um aluno jogando peixes na piscina. Que inconveniente, pensei. Esses lambaris cheiram mal, vão sujar a água. Não é este o lugar onde deveriam estar. Incomodada com o mal cheiro, decidi mudar de cama e escolho me instalar no beliche, na cama do alto. Vejo então, com grande surpresa, peixinhos dourados, belíssimos, inacreditavelmente brilhantes entrando pela janela. Pareciam voar!
Acordo e tento compreender: - que mensagem é esta que estes símbolos vêm me trazer? Passo o dia tentando matar a charada. - Que sonho esquisito, estranho demais! Foi somente no dia seguinte que tudo pareceu se encaixar. Sentia-me já há algum tempo angustiada com o fato de estar com muitas aulas neste semestre. Achava injusto trabalhar mais do que meus colegas. Ninguém parecia se importar. Ao mesmo tempo não conseguia decidir qual disciplina deveria deixar de ministrar, caso decidisse reivindicar ajuda dos colegas mais "folgados".
Foram os peixinhos dourados que me fizeram compreender que o mal cheiro da inveja que sentia estava roubando de mim a alegria e o prazer de estar fazendo o trabalho que tanto gosto de realizar. Assim, como no sonho de Kurosawa, coloco-me diante de meu próprio altar e encontro o que procuro. Compreendo que a justiça não precisa da medida da igualdade, da uniformidade. Compreendo que justo é aquilo que escolho realizar com a beleza e o brilho dos peixinhos dourados que vieram me visitar.

30 de ago. de 2008

ARQUÉTIPO SOMBRA



A sombra apresenta-se como o mais poderoso de todos os arquétipos, já que é a fonte de tudo o que existe de melhor e de pior no ser humano. Como todo e qualquer elemento psíquico, a sombra possui aspectos positivos e negativos para o desenvolvimento da personalidade.

Se a persona é desenvolvida com o objetivo de facilitar a convivência do homem na sociedade onde vive, onde, então, se apresentarão aqueles conteúdos não compatíveis com esta adaptação? A sombra é o arquétipo receptáculo dos aspectos que foram suprimidos no desenvolvimento da persona, e mais que isto, ela contém conteúdos que nem chegaram a passar pelo crivo do consciente. Estes conteúdos podem, potencialmente, emergir a qualquer momento na consciência, se considerados do ponto de vista energético.

Quanto mais unilateral se torna o consciente; tanto mais a persona é banhada de purpurina e mais acentuados são os elementos que compõem a sombra. Importante salientar, no entanto, que a sombra não é o lado oposto da consciência, mas representa o que falta a cada personalidade consciente.

Um dos maiores trabalhos no processo de individuação, que consiste no desenvolvimento da personalidade total, é sem dúvida a integração da sombra na consciência. Uma vez reconhecida, a sombra, como parte de si mesmo, o ser humano irá fazê-lo constantemente, pois os conteúdos sombrios não se esgotam, porque sempre que houver processo de escolha, consciente, haverá também, o lado que ficou negligenciado ou não escolhido, aquele que poderia ter sido vivido e não foi. Neste sentido, a sombra estará sempre ao lado do indivíduo e focaliza o resultado de suas escolhas.

Normalmente, reconhecer a sombra implica em “arrumar encrenca” e colocar em questionamento toda a consciência de si: os hábitos, crenças, valores, afetividade, etc. É um mergulho no desconhecido, é ficar sem chão, é perder o apoio.

Sendo o confronto com a sombra um dos primeiros aspectos do processo de individuação, é necessário um ego bem estruturado para reconhecer que tudo aquilo que projetamos nos outros, principalmente as coisas que menos gostamos, são nossas e de mais ninguém.

A sombra não possui, porém, somente aspectos negativos e rejeitados. Possui também aspectos que impulsionam o ser humano para a criatividade e busca de soluções, quando os recursos conscientes se esgotaram. Por sorte, a sombra é insistente e não se sente acuada com a repressão exercida pela consciência. Sempre arranja um jeito de se manifestar, a inspiração é uma destas maneiras. Uma vida sem a presença da sombra torna-se sem brilho e sem criatividade.

Quando, para a nossa adaptação social, desenvolvemos a persona, somos obrigados a descartar vários aspectos que não condizem com a atitude da consciência naquele momento. Estes aspectos poderão ser úteis em outra época de nossas vidas, poderão voltar, uma vez que não serão mais prejudiciais à nossa adaptação e poderão mudar o rumo de nossa história.

A sombra, quando trabalha em harmonia com o ego, deixa a vida mais colorida e rica.

PERSONA



É a máscara usada pelo indivíduo em resposta às convenções e tradições sociais e às suas próprias necessidades arquetípicas internas. É o papel que a sociedade lhe atribui, que espera que você represente na vida. O propósito da máscara é produzir uma impressão definitiva nos outros e, muitas vezes (embora não obrigatoriamente) dissimula a verdadeira natureza do indivíduo, em oposição à personalidade privada, que existe por trás da fachada social. Se o ego se identificar com a persona, como freqüentemente o faz, o indivíduo terá mais consciência do papel que está representando do que de seus sentimentos genuínos. Será sugado pelo personagem, tornando-se um alienado de si mesmo e toda a sua personalidade toma um aspecto superficial e bidimensional

ANIMA E ANIMUS


Jung atribui a arquétipos o lado feminino da personalidade do homem e o lado masculino da personalidade da mulher. O arquétipo feminino no homem é chamado anima, e o masculino na mulher, animus. Eles são o produto de experiências raciais do homem com a mulher e vice-versa. Constituem a "alma" de cada homem e mulher. No que se refere ao caráter dessa "alma" ela costuma ter todas aquelas qualidades humanas comuns que faltam à atitude consciente. O tirano atormentado por maus sonhos, pressentimentos sombrios e receios interiores, é uma figura típica. Exteriormente cruel, é porém sujeito a qualquer humor, como se fosse um ser menos autônomo e mais maleável. Sua alma contém, pois, aquelas qualidades humanas de fraqueza e determinabilidade que faltam completamente à sua atitude exterior, à sua persona. Se a persona for intelectual, a alma será sentimental com toda certeza. O caráter complementar da alma atinge também o caráter sexual, conforme pude constatar muitas vezes. Mulher muito feminina tem alma acentuadamente masculina; homem muito masculino tem alma feminina. A anima e o animus têm um papel importante nas relações amorosas, onde as pessoas, inconscientes desses arquétipos, são levadas a projetá-los no sexo oposto. O desenvolvimento consciente da anima e do animus acarreta numa ampliação da personalidade e num relacionamento mais rico com o outro.

27 de ago. de 2008

HUMANA



Outro dia li estes versos de Marly:

Bom é ser árvore, vento:
sua grandeza inconsciente.
E não pensar, não temer.
Ser, apenas. Altamente.

Permanecer uno e sempre
só e alheio à própria sorte.
Com o mesmo rosto tranqüilo
diante da vida ou da morte.

Fiquei pensativa: será???
Acho que não...
Bom mesmo é ser humano.
Sentir lá no fundo da alma as dores e as alegrias.
Ter consciência de si e do mundo.
Ter consciência da vida e da morte.
Experimentar a angustia do humano e suportá-la.
Gemer de dor ante a consciência da nossa pequenez e impotência, mas também chegar ao gozo das pequenas delícias da vida.
Acho bom ser humana.
Não quero ser como árvore, inconsciente para não pensar e não sofrer.
Quero viver e experimentar a perplexidade ante as aporias da minha existência.
O ser humano é assim e assim eu quero ser.
Humana, muito humana....

26 de ago. de 2008

SAKURA

A Sakura é o modo como a nação japonesa se refere às cerejeiras floridas.
São árvores de raríssima beleza.
Contam os botânicos que é a única arvore do mundo cujas flores vêm antes das folhas. Sua florada dura no máximo dez ou doze dias, mas é o tempo suficiente para encher o lugar com o espetáculo de beleza e majestade.



Na primavera japonesa as sakuras convidam as pessoas ao Hanami.
hana= flor
miru= olhar
Olhem as flores
O espetaculo é passageiro. Parem e olhem agora!!!
Não deixem para depois!!!
Fico imaginando as sakuras de nossas vidas que florecem, passam e nós não vemos.
São momentos....instantes.
Tudo muito fugaz.
Não vemos porque não estamos atentos à sua chegada. Não aguardamos com espectativa. Nosso espírito não está desperto, vigiando para o instante em que as cerejeiras florirão.

Somos tolos e achamos que todas as coisas seguem as regras de sempre: primeiro isso e depois aquilo. Agimos logicamente, como se tudo no mundo obedecesse à logica racional.

Com a sakura não é assim: as flores vêm antes das folhas.

Vejo que é preciso raciocinar lógica e analogicamente.

A sakura se dá em toda primavera japonesa, mas em nossa vida há coisas em que a florada se dá apenas uma vez.

A sakura nos avisa: vigiem...estejam atentos.... não percam o espetáculo da vida!

Infelizmente muitos dormem. Outros estão ocupados com as tarefas diárias e não têm tempo para o hanami.

Que pena!!!!!

25 de ago. de 2008

ADOECIMENTO


As enfermidades psíquicas são o resultado de uma perturbação da capacidade natural de amar... A condição essencial para curar perturbações psíquicas é o restabelecimento da capacidade natural de amar.
(Wilhelm Reich)

23 de ago. de 2008

terapia

"O principal objetivo da terapia psicológica, não é
transportar o paciente para um impossível estado de
felicidade, mas sim ajudá-lo a adquirir firmeza e
paciência diante do sofrimento. A vida acontece num
equilíbrio entre a alegria e a dor."

AUTO-REALIZAÇÃO

"Não posso lhe dizer como é um homem que goza de uma
completa auto-realização, NUNCA VI
NENHUM... ...Antes de buscar a perfeição, devemos
viver o HOMEM COMUM, sem mutilação"

Personalidade

"A personalidade quer desenvolver-se a partir de suas
condições inconscientes, e sentir-se viver enquanto
totalidade, mas há, profundamente enraizada no homem, uma resistencia a tudo o que lhe permite saber mais sobre si próprio"

Congresso Junguiano

http://www.eppa.com.br/con3/pag08.htm
(favor acessar esta pagina)

arquetipo - herói

Mitologia 3

Mitologia 2

Mitologia

Mito