10 de nov. de 2010

SOBRE MIM

(Jaqueline Bernal Campos Baggio - ex aluna)

Eu, Jaqueline, estou sentada na frente do computador pensando. Pensando em um possível tema a escrever, e tantas idéias passam pela minha cabeça, mas elas logo deixam de permear os meus pensamentos. E então eu penso, que tarefa complicada essa de escrever um artigo, depois de tanto tempo na faculdade apenas reescrevendo as idéias dos outros, tenho a oportunidade de escrever as minhas próprias idéias, mas onde elas estão? Acredito que talvez elas estejam esquecidas no meio de tantos fichamentos e relatórios que agora me parecem sem sentido.

E assim, paro apenas por alguns instantes para pensar, e luto para não ser atropelada pelos meus próprios pensamentos e minhas cobranças, a que na verdade é a minha necessidade de sempre achar que tenho que produzir algo, mas nunca pensar no que eu estou produzindo. Sobre a correria do dia-a-dia Cortela (2006) acredita que:

“Na correria do dia-a-dia, o urgente não vem deixando tempo para o importante! (...) Essa demora em pensar mais, esse retardamento da reflexão como uma atitude continuada e deliberada, vem produzindo um fenômeno quase coletivo: mais e mais pessoas querendo desistir, largar tudo, com vontade imensa de sumir, na ânsia de mudar de vida, transformar-se, livrando-se das pequenas situações que torturam, amarguram, esvaem” (p. 59-60).

E nessa luta com os meus pensamentos, começo a refletir para que lado eu estou “sendo levada” na minha formação, penso na total incerteza que me aguarda nos próximos meses, talvez até anos. Quando eu digo “sendo levada” isso tem um significado atual na minha reflexão, o de que eu sempre fiz as tarefas que me eram atribuídas, mas nunca produzi algo meu, com a minha cara, com o meu jeito e principalmente com os meus pensamentos, talvez até os meus pensamentos agora sejam reprodução de alguma grande obra, de algum grande autor. Porém desistir, não permeia os meus pensamentos, talvez porque tenha continuado meus pensamentos enquanto fazia as minhas tarefas. E tudo o que eu fazia era representado por um sonho, o sonho inicial de me formar, depois de ser psicóloga e agora de fazer diferente. Diferente, devido a singularidade e subjetividade de cada um.

Hoje mais do que em qualquer outro momento da minha vida penso sobre o meu futuro, que futuro “diferente” eu vou ser. Estou pra sair da faculdade com uma única certeza, de que ainda vou ter que estudar muito. Esse estudo é representação de responsabilidade com aquilo que irei fazer, um compromisso com as pessoas que pretendo ajudar. Compromisso comigo mesmo de consolidar conceitos, ou até mesmo reformulá-los totalmente. E esse “futuro diferente” será construído a partir de todas as minhas experiências conscientes.

Com tanto sentimentos misturados penso na minha formação com tanta insegurança, e acredito que isso não seja uma sensação única, mas compartilhada com muitos que estão a se formar, de um não saber muita coisa, não estar muito preparada, mas a certeza de que a preparação para uma atuação e a sabedoria vem depois de quedas, de erros e acertos. Ontem mesmo li na contra capa de um livro na livraria, “viver é sofrer”.

“A sabedoria não se transmite, é preciso que a gente a descubra depois de uma caminhada que ninguém pode fazer em nosso lugar, e que ninguém nos pode evitar, porque a sabedoria é uma maneira de ver as coisas.” (CORTELLA, 2006, p. 119-120)

Bueno (1997) afirma que para a fenomenologia o método exige uma reflexão: uma retomada descritiva da própria vivência para a consciência atual, diferente do método do introspeccionismo que apenas a vivência constitui um saber da consciência.

Então, a fenomenologia é como as coisas aparecem na consciência, e o fenômeno é aquilo que aparece na consciência. Assim como temos uma postura fenomenológica descrevemos, reduzimos e interpretamos um fenômeno. Dessa maneira quem adota uma postura fenomenológica deixa em suspenso as suas idéias, opiniões, preconceitos para o outro se mostre quem é, e como ele é. Bueno (1997) cita:

“Não existe o homem interior, o homem é no mundo”, e, a verdade, portanto, não se encontra num suposto homem interior, mas “é no mundo que ele se conhece” (Merleau-Ponty, 1954; citado em Lyotard, 1967, p. 58).

Depois de participar da mesa redonda na última aula da disciplina de prática clínica, e começo a pensar em que concepção de homem eu vou levar comigo a minha vida profissional? Será que o sofrimento, a doença é a maneira de se expressar no mundo?

Existem muitas outras reflexões que quero levar para a minha atuação profissional. E acredito que para ter o meu “futuro diferente” essas reflexões, muitas leituras que ainda quero fazer, escritas que penso em desenvolver vão fazer a diferença para mim.

Esse pequeno ensaio escrito por mim teve a simples pretensão de descrever algumas angústias experimentadas nessa faze pré-formatura.

Referência Bibliográfica:

BUENO, José Lino Oliveira. Body, consciousness and psychology. Psicol. Reflex. Crit. , Porto Alegre, v. 10, n. 1, 1997 . Disponível em: . Acesso em: 22 Jan 2008. doi: 10.1590/S0102-79721997000100010

Cortella, M. S. Não nascemos prontos! Provocações Filosóficas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.

Agradeço a Professora Analu por proporcionar uma disciplina em que privilegiou as reflexões, as considero muito importantes para a minha formação.

Muito Obrigada!

Second Life

(João Paulo Almeida Alves - ex aluno)

Neste ensaio busco analisar e compreender a utilização dessa forma comunicacional que cresce em ritmo muito acelerado nos últimos anos, o ciberespaço. Para tanto pretende-se desenvolver uma discussão que percorra o campo da relação subjetiva e íntima que estabelecemos com a tecnologia. Noto que está em andamento um processo de "virtualização" - que também pode ser nomeado de processo de "digitalização" - de amplas atividades que compõe o cotidiano de milhões de pessoas e instituições. (Jungblut, 2003). Tem-se criado sistemas interativos que geram situações que surpreendem e envolvem pelo fato de estimularem a conexão do corpo com "forças invisíveis" que expandem suas ações em limites antes não experimentados. Vale utilizar aqui o conceito de "virtualização como êxodo" de Pierre Lévy, onde ele aponta a capacidade de possibilitar a comunicação e a interação humana sem que a presença física seja necessária. Neste contexto se insere como objeto de análise o ambiente virtual Second Life, que demonstra um crescimento muito acentuado, em forma exponencial em sua utilização e tem se configurado como uma das formas de utilização mais polêmicas do ciberespaço.

O Second Life é um ambiente virtual e tridimensional que simula alguns aspectos da vida real e social do ser humano. O termo em inglês Second Life significa segunda vida sendo que dependendo de sua utilização pode ser encarado como um jogo, um mero simulador, um comércio virtual ou uma rede social. O sistema possui duas partes: a do servidor e a do cliente. A parte do servidor funciona 24 horas por dia e diz respeito unicamente à empresa Linden Research, Inc. enquanto a parte do cliente diz respeito à um programa que pode ser baixado gratuitamente no site da empresa. O fato de o programa ser gratuito é o primeiro ponto a chamar a atenção. O ambiente virtual possui um sistema de moeda próprio chamado Linden Dollar (grafado como L$), levando o mesmo nome da empresa mantenedora (Linden), que obviamente não tem valor algum direto no "mundo real". Apesar de não ter valor real direto, para se obter os Linden Dollar para serem utilizados no ambiente virtual deve-se compra-los com dólares americanos (reais) através do site por Paypal ou cartão de crédito internacional, respeitando sempre os limites pré-estabelecidos pela administração do sistema.. A moeda virtual tem valor flutuante em relação ao dólar americano, ou seja, seu valor pode variar a qualquer momento. Em 25 de maio de 2007 cada real (R$) estava valendo cerca de L$ 129,85, ou ainda cada Linden Dollar estava valendo aprox. R$ 0,0077 (menos de um centavo de real). IncrivelmenteEm fevereiro de 2007 o avatar Unger Felix inaugura a ilha Brasil SP Jardins, já com uma estrutura de portal comercial e de entretenimento e recheada de clientes do mundo real, tais como a Fecomércio, o Unibanco, Porto Seguro, PSDB, rádio 89 FM entre outros. Outros espaços brasileiros, de caráter menos comercial também começaram a surgir, entre eles destacam-se Ilha Búzios, Ilha Help Brasil, Ilha Brasília e Ilha Ribeirão Preto. Finalmente em 23 de abril de 2007 a IG-Kaizen inaugura seu portal oficial brasileiro, um complexo de 20 ilhas, espalhadas em um grid especial dentro do metaverso da LindenLab.

Há algum tempo, humano e máquina têm criado relações cada vez mais complexas entre si, com características cada vez mais subjetivas e particulares. Desde o surgimento da inteligência artifícial busca-se desenvolver computadores que se assemelhem cada vez mais à mente humana em todos os seus aspectos. A realidade virtual é um advento que vem nos trazer o rompimento entre a fronteira que divide o mundo real e o virtual, já que através do virtual pode se experimentar sensações antes obtidas somente a partir de experiências reais. Essa relação com o virtual ganha complexidade a medida que se inserem os mecanismos interativos. Durante os rituais interativos, o corpo é chamado a agir conectado a um sistema preparado para responder às suas ações. (Domingues, 2004). Interagir pode ser comparado a participar de uma cerimônia e, pela performance ou desempenho do corpo, atingir algum conhecimento, significado ou emoção. Dessa forma temos acontecimentos virtuais sucitando emoções, reações fisiológicas e mesmo psicológicas. Portanto o virtual não significa uma desrealização já que seus acontecimentos são fenômenos concretos, pois produzem efeitos na realidade extrapolando o domínio do imaginário. Sobre isso Jungblut diz: falas digitalizadas que ocorram no ciberespaço podem desaparecer como sinais magnéticos momentaneamente armazenados em alguns computadores, mas os efeitos concretos destas falas não desaparecem da mente dos interlocutores que as mantiveram, nem as decisões no mundo off-line que possam ser tomadas em função delas

O ciberespaço é outro aspecto que revoluciona a relação do humano com a máquina bem como a relação entre os próprios humanos. A partir deste advento passa-se a ter o computador como veículo de interação entre seres humanos criando-se um novo siginificado para as experiencias vividas através do computador. Agora o computador passa a desempenhar também o papel de mediador de relaçoes sociais. Dessa forma cria-se uma nova concepção de relações já que segundo Pierre Levy aqui (no mundo virtual do ciberespaço), não é principalmente por seu nome, sua posição geográfica ou social que as pessoas se encontram, mas segundo centros de interesses, numa paisagem comum do sentido ou do saber. Essa afirmação nos dá um aspecto do porque essa comunicação mediada por computador tem sido cada vez mais utilizada. Outro aspecto envolvido nesta forma de comunicação nos é dado por Airton Luiz Jungblut: O que realmente muda com a comunicação mediada por computador - síncrona ou assíncrona - em relação ao processo de compreensão responsiva ordinário da comunicação oral é que com a primeira introduz-se de forma fundamental o recurso da análise mais detalhada do registro escrito da fala do interlocutor. O receptor não precisa mais, em sua atitude responsiva, fazer ecoar na sua mente os sons da voz de seu interlocutor para que surja uma reação responsiva, já que tem as sentenças deste integralmente escritas à sua frente para poder consultar e refletir. Isso efetivamente dota os interlocutores de uma melhor capacidade de responder às interpelações que lhes são dirigidas, já que operam com mais controle sobre seu conteúdo. Outrossim, o receptor, não estando face a face com seu interlocutor (ou "voz a voz", como no caso do telefone), não está tão sujeito àquelas regras informais da comunicação ordinária que coagem pelo não demasiado vazio, pelo não prolongado silêncio, entre a interpelação do emissor e a reação do receptor. Dessa forma, o período de tempo em que se dá o processo responsivo pode ser modulada com maior liberdade e, conseqüentemente, a resposta, por mais essa razão, pode resultar detentora de melhor qualidade.

À medida que foram se desenvolvendo as tecnologias que dizem respeito ao uso do computador, as relações de intimidade que desenvolvemos com o mesmo também cresceram. Podemos dizer que a utilização do Second Life é uma das formas mais modernas e extremadas de utilização do computador no que diz respeito a estabelecer relações de subjetividade e intimidade através do ciberespaço. Podemos ter algumas dimensões dessas experiências subjetivas experimentadas através do ciberespaço. O primeiro ponto que destaco é a ampliação do self onde se dá o processo de “deixar de ser eu e ser outro”. Uma característica que remete à essa ampliação é que o ambiente virtual é um mundo surreal onde quase tudo é possível: é possível voar, construir qualquer tipo de objeto, cair de metros de altura sem nada acontecer, teletransportar-se, ser imortal, entre outras coisas que fogem bastante da realidade. No entanto a ampliação do self é mais surpreendente quando se pensa na possibilidade de vivenciar experiências que seriam repudiadas na “vida real”. No Second Life o usuário utiliza-se de uma personagem que pode ter qualquer característica desejada permitindo assim essa ampliação do self a qualquer ponto. Uma das práticas mais comuns são usuários que se utilizam de personagens do gênero oposto ao da “vida real” no Second Life, o que nos remete a outro ponto de destaque que é a possibilidade de desdobramento da personalidade onde pode ser feita a comparação da utilização desses mundos virtuais a terapias semelhantes ao psicodrama. Este tipo de software convida a uma “apresentação de si” (através da seleção de imagens, criação de redes de amigos, descrições sobre si próprio), fora dos avatares – desdobramentos identitários descartáveis - e impõe-se cada vez mais como um espaço de encenação do sujeito.

REFERÊNCIAS:

Jungblut, Airton Luiz. A heterogenia do mundo on-line: algumas reflexões sobre virtualização, comunicação mediada por computador e ciberespaço. Horiz. antropol., Jun 2004, vol.10, no.21, p.97-121. ISSN 0104-7183

Guimarães Jr., Mário J. L. De pés descalços no ciberespaço: tecnologia e cultura no cotidiano de um grupo social on-line. Horiz. antropol., Jun 2004, vol.10, no.21, p.123-154. ISSN 0104-7183

Domingues, Diana Maria Gallicchio. Ciberespaço e rituais: tecnologia, antropologia e criatividade. Horiz. antropol., Jun 2004, vol.10, no.21, p.181-197. ISSN 0104-7183

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.

www.secondlife.com

MISTÉRIO HUMANO

(Carita Portilho - ex aluna)

Ser humano é ser contradição, devir, dialética, encontros e desencontros. Ser humano é saber o que é melhor para si, é encontrar-se ao se perder, é possui a capacidade de se organizar. Ser humano é ser criativo e ao mesmo tempo não conseguir vislumbrar saídas para um problema recorrente. O ser humano é um todo composto de partes que se interrelacionam constantemente. Ser homem é buscar sentido para si e para o mundo. Ser humano é relacionar-se consigo e com os outros, é ser cultural, social, histórico. Ser humano é possuir um corpo, ter cognição, subjetividade, afetos. Ser homem é construir tramas, é viver dramas. Ser humano é permanecer em constante construção e desconstrução, é nunca estar acabado. Ser humano é mistério. Viver o mistério é viver o desenvolvimento humano:

O desenvolvimento humano, acontecimento absolutamente único para cada indivíduo, é o lugar onde o mistério tomou corpo como uma série de mediações, de “modos” e de problemas; lugar em que os problemas individuais podem se fechar em seu caráter de problema, colocando-se efetivamente em oposição ao mistério, ou podem tornar-se dinamicamente uma encarnação, uma presença transparente do mistério e uma ocasião de crescimento na manifestação da realidade do mistério (IMODA, 1996, p.14).

O curso do desenvolvimento humano constitui o próprio mistério através do qual o homem se torna aquilo que é mesmo que não pudesse sê-lo. Viver o mistério significa desenvolver-se, colocar-se entre a miséria e a dignidade, entre o ser e o não ser, entre o temporal e a eternidade, entre o corporal e o espiritual, entre o finito e o infinito (IMODA, 1996). Nesse sentido, todos os homens vivem a realidade do mistério.

O mistério do ser humano manifesta-se no tempo, no riso e na dor, na busca, na solidão e na insatisfação. O homem não é mais o que foi ontem e ainda não é o que será amanhã, ou seja, o tempo é o choque entre o ser e o não ser. Concomitantemente ao fato de o tempo escancarar a finitude do homem ele traz consigo a esperança a respeito do novo que há de vir. Nesse sentido, a temporalidade constitui-se em uma dimensão que marca fortemente o mistério humano.

O riso é mais uma das manifestações do mistério humano. Apenas quem consegue identificar-se com algo e, ao mesmo tempo, afastar-se dele é capaz de rir. O homem sorri porque pode de algum modo ser e não ser parte de um certo mundo, ele consegue manter-se dentro e fora de uma mesma situação. “É ainda a relação entre o parecer e o ser, considerada sob a forma de incongruência entre os dois, que suscita e sustenta o riso” (IMODA, 1996, p. 29).

A dor é um fenômeno que revela o mistério humano ao propiciar descoberta e crescimento:

É na dor e na falta (ausência) que se aprende a distinção entre o ser e o dever ser, entre o real e o ideal e se vive a divisão interna, manifestando até que ponto se pertence a dois mundos que desejaríamos reconciliados, mas incapazes de se reconciliar: um mundo de aspirações infinitas e um mundo de dados e de fatos, que resistem e limitam, restringem, assediam e impõem fronteiras reconhecidas freqüentemente como violentas (IMODA, 1996, p. 36).

Apesar da dor se mostrar muitas vezes como negativa, ameaçadora ou algo que faz sofrer, é ela que nos coloca em contato com a realidade. A dor é o lugar onde o mistério se manifesta justamente porque se coloca ao mesmo tempo como um caminho necessário para que a realidade coloque seus limites. Nesse sentido, “evitar a dor significaria, de modo absoluto, evitar a vida” (idem, 1996, p. 37).

O mistério do ser humano também manifesta-se na inesgotável necessidade de buscar, de descobrir, explorar. Graças à busca, ao contato com o novo, uma pessoa pode passar a ser aquilo que ainda não foi. No entanto, para que seja possível descobrir horizontes e mundos novos é preciso pertencer a um mundo bem definido de ligações, afetos e interesses, ou seja, busca-se ir além, conhecer o estranho, o diferente, mas é necessário ter sempre um lugar seguro para onde se possa voltar.

A solidão é um outro componente do mistério humano. O homem é marcado pela contradição de buscar estar com o outro, construir uma intimidade e também fugir de contatos íntimos, da proximidade, da cumplicidade. Essa fuga se configura nos momentos em que o contato com outrem é percebido como ameaça ou algo intrusivo. A solidão aqui é vista como uma busca ativa por estar consigo mesmo, conhecer-se, entrar em contato com o que é seu: os medos, as vontades, os desejos e os sentimentos.

Em última análise, coloca-se o mistério manifestando-se através da insatisfação, da inquietação e da dúvida. O homem necessita de movimento, paixões, atividades, perguntas: quando o ser humano não pergunta mais, cessa de algum modo de ser mistério para si próprio e, desse modo, deixa de ser ele mesmo. As vitórias, as conquistas e o sucesso não põem fim à inquietação que se mostra constante na existência humana.

Se se concorda que o ser humano é mistério, aproximar-se dele significa, além de uma atitude de admiração e de conhecimento, uma atitude de respeito pela liberdade e pelas escolhas feitas pela pessoa. Nesse sentido, a clínica torna-se um espaço de cuidado, onde o desenvolvimento é o lugar em que o mistério toma forma.

REFERÊNCIAS:

IMODA, F. Psicologia e mistério: o desenvolvimento humano. São Paulo: Paulinas, 1996.

OLIVEIRA, R. G. de. Especificidades da relação terapeuta-cliente no Plantão Psicológico. Disponível em: http://www.gestaltsp.com.br/textos/especificidades.htm. Acesso em: 22-01-08.

SENHORA DO SILÊNCIO

(Alisson Borges - ex aluno)

"Mãe do Silêncio e da humildade,

tu vives perdida e encontrada

no mar sem fundo do Mistério do Senhor.

És disponibilidade e receptividade.

És fecundidade e plenitude.

És atenção e solicitude pelos irmãos.

Estás vestida de fortaleza.

Em ti resplandecem a maturidade humana

e a elegância espiritual.

És senhora de ti mesma

antes de ser senhora nossa.

Em ti não existe dispersão.

Em um ato simples e total,

tua alma toda imóvel,

está paralisada e identificada com o Senhor.

Estás dentro de Deus, e Deus, dentro de ti.

O Mistério Total envolve - te e te penetra,

possui - te, ocupa e integra todo o teu ser.

Parece que tudo ficou paralisado em ti,

tudo se identificou contigo:

o tempo, o espaço, a palavra,

a música, o silêncio, a mulher, Deus.

Em ti, tudo ficou assumido e divinizado.

Jamais foi vista outra figura

humana de tanta doçura,

nem se voltará a ver

sobre a Terra

mulher tão inefavelmente

evocadora.

Entretanto, teu silêncio

não é ausência,

mas presença.

Estás abismada no Senhor

e, ao mesmo tempo,

atenta aos irmãos

como em Caná.

Nunca a comunicação é tão profunda

como quando não se diz nada

e nunca o silêncio

é tão eloqüente

como quando nada se comunica.

Faze - nos compreender que o silêncio

não é desinteresse pelos irmãos,

mas fonte de energia e de irradiação;

não é fechar - se, mas abrir - se,

e que para derramar - se

é preciso carregar - se.

O mundo afoga - se no mar da dispersão,

e não é possível amar os irmãos

com um coração disperso.

Faze - nos compreender que o apostolado,

sem silêncio,

é alienação;

e que o silêncio

sem apostolado

é comodidade.

Envolve - nos no manto do teu silêncio,

e comunica - nos a força da tua fé,

a altura da tua esperança,

e a profundidade do teu amor.

Fica com os que ficam

e vai com os que vão.

Ó, Mãe Admirável do Silêncio!

ACORDA


Somos culpados por nos deixar tutelar por professores, jornalistas e comentadores que — intencionalmente ou não — acabam por privar-nos do prazer de interpretar, por nós mesmos, o mundo e os acontecimentos a nossa volta.

Precisamos sair da menoridade de que nós próprios somos culpados

Tenha a coragem de te servires do teu próprio entendimento

A preguiça e a covardia são as causas por que os homens em tão grande parte, após a natureza os ter, há muito, libertado do controle alheio, continuem menores durante toda a vida

É muito cômodo ser menor

O diabo veste Prada

(Thais Gonçalves de Sales - ex-aluna)

Desde que a professora Analú explicou como queria o trabalho teórico da disciplina, o qual consistiria basicamente em escolher qualquer assunto, filme, música, poema, o que a pessoa quisesse para analisar aquilo a partir da fenomenologia, fiquei pensando no que poderia fazer mas achei extremamente difícil pois eu estava, e ainda estou, tendo bastante dificuldade em ver as coisas numa postura fenomenológica. Mas penso que isto deve ser algo que requer muito treino e que eu não desenvolveria isso tão rapidamente, então aqui farei somente um ensaio de como poderia ser o pensar fenomenologicamente.

Na penúltima semana de aula então comentei com a professora que queria fazer sobre algum filme, mas não tinha conseguido pensar em algum e então ela me sugeriu o filme “O diabo veste Prada”, o que achei interessante por ser um filme recente que eu já tinha vontade de assistir, pois não gosto muito de filmes alternativos ou europeus, parece que a professora adivinhou meu gosto ao sugeri-lo.

Antes de ir à locadora dei uma revisada em alguns sites sobre fenomenologia, para que quando eu o assistisse soubesse um pouco qual olhar eu deveria ter e se eu poderia fazer alguma mínima relação do que lesse com o que eu assistisse.

Aluguei o filme e fui para a casa da Fernanda, a minha melhor amiga, para assistir com ela, afinal acho um pouco triste assistir um filme sozinha, mesmo que seja para fazer um trabalho sobre ele. Começamos a assistir e eu já tinha uma idéia de que seria algo sobre moda pelo “veste Prada” do nome, mas a história é basicamente a de uma jovem, Andrea, a qual se muda para Nova York a fim de tentar uma carreira como jornalista, então consegue um emprego na maior revista de moda da cidade, como assistente da poderosa editora-chefe Miranda Priestly, mas tem sérios problemas com as exigências absurdas de sua chefe.

Logo no inicio do filme, me chamou a atenção a primeira cena em que as várias personagens que serão conhecidas ao longo da estória estão se vestindo para irem trabalhar, e nesse momento já se verifica um contraste fortíssimo entre a forma como Andrea se veste mal perto das outras, o que é enfatizado por todos os funcionários da empresa que quando vêem Andrea ficam horrorizados com a forma como ela se veste inadequadamente. Dessa inadequação eu vi um pouco de como eu me senti quando entrei no curso de Psicologia, pois eu estava acostumada com o ambiente de colegial e com minha turminha e enfrentar todo aquele ambiente me fez sentir “um peixe fora d’água”, até falei sobre isso em algumas dinâmicas de apresentação nas disciplinas, acredito que eu não estava preparada para aquela mudança e principalmente para entrar em uma universidade e num curso os quais nunca foram o meu sonho como a maioria dos meus colegas.

O filme mostra que Miranda faz o tempo todo pedidos absurdos a Andrea e se ela não os cumpre da exata forma que Miranda quer tudo vai por água abaixo, todos na empresa têm de agir da forma que ela quer pois ela é a peça principal da revista e portanto meio que “manda” em todos. Não sei se seria muito certo eu fazer essa associação, até porque ela é muito pessoal, mas essa característica de Miranda me lembrou o meu pai, pois quando eu me relaciono com ele parece q tudo é condicional, a qualquer palavra errada que eu fale ou coisa errada que faça ele pára de conversar comigo e fala que não gosto mais dele, isso me gera bastante angústia como eu vejo nos personagens do filme, é como andar na corda bamba a todo momento. A própria Andrea se angustia com essa situação, pois fala em mais de um momento que o que mais queria era que Miranda reconhecesse o bom trabalho que ela fez, e isso não acontece, até como não acontece muito na minha vida, já que minha mãe quando eu passo no vestibular ou tenho outra conquista somente diz que não fiz mais que minha obrigação.

Principalmente no inicio da estória é mostrada muito a relação que Andrea tem com o namorado e os amigos, nas conversas todos enfatizam que estão em empregos que não são dos sonhos mas que pagam o aluguel, ela mesma o tempo todo fala mal de Miranda e dos funcionários, para ela aquilo é muito fútil e pensa que para fazer um bom trabalho não precisa se tornar igual a eles, o que posteriormente ela percebe que não é bem assim, pois depois de penar muito percebe que teria mais credibilidade na empresa somente quando se adequasse ao visual dos outros. Isso eu vivenciei muito na faculdade mas é muito comum também se ver isso na escola, onde quando você não se veste ou pensa igual aos outros é excluído e até maltratado, e muita gente cede a essa pressão se igualando então à massa, penso que é um pouco necessário para que sejamos aceitos e fiz isso quando entrei no curso porque eu costumava ser um pouco “revoltada”, sempre gostei de agir diferentemente dos outros, ter cabelo diferente, usar maquiagens fortes e roupas escuras mas quanto mais velha fui ficando percebi que não poderia levar isso adiante buscando ser uma futura psicóloga, então mudei um pouco meus trajes a atitudes, todos inclusive comentaram que eu “melhorei” bastante ao longo do curso, mas sinto que aquele lado rebelde meu ainda está guardado mas hoje se manifesta nas situações e com as pessoas adequadas, e não em todos os momentos. Acho que isso se mostra ao longo do filme também porque Andrea com os amigos se mantém a mesma em quase toda a história, é o momento em que ela é ela mesma e não é julgada por roupas que veste ou por suas idéias não serem as mesmas que as de todos, sendo julgada somente quando ela se afastou do que sempre foi e começou a de fato ser mais uma das pessoas do mundo da moda.

À medida que ela vai conhecendo Miranda, vai deixando de odiá-la e criando uma relação muito forte, e acaba por viver em função dela e sacrificar seus relacionamentos fora do trabalho, com namorado, amigos e família, e a própria Miranda por gastar todo o tempo trabalhando mal passa tempo com suas filhas gêmeas e seu marido, o qual resolve se divorciar dela por isso. No filme isto me mobilizou uma certa tristeza pois vejo hoje em dia muitas pessoas que vivem em função do trabalho e perdem o amor do parceiro, o crescer dos filhos, e tantas coisas pequenas e lindas que se passam fora dessa correria do trabalho mas que são muito importantes para qualquer ser humano ser verdadeiramente feliz, o que fato aconteceu um pouco na minha casa, pois minha mãe é médica e por amar tanto o trabalho e querer fazê-lo bem feito, acabou por sacrificar muitos momentos que ela poderia ter passado do nosso lado e eu e meu irmão acabamos por ser criados pela empregada, que trabalha na minha casa desde a nossa infância e inclusive chamamos de tia, sinto muita falta dessa figura maternal e penso que buscarei fazer diferente quando tiver o meu trabalho.

Ao mesmo tempo, trabalhando com moda parece que ela vai se encontrando, parece que ela realmente descobre um lado que gosta daquelas coisas e se sente feliz trabalhando com aquilo, mas nem seu namorado ou seus amigos entendem isso, pensam que ela está fugindo do que ela é, e o filme passa realmente essa imagem de que o tempo em que ela se identificou com aquilo ela não estava sendo ela mesma, mas não concordo pois penso que ela se encontrou naquele ramo e gostava do que fazia, só não podia deixá-lo corromper sua integridade como acontece em alguns momentos e como aconteceu com Miranda, que passa por cima de pessoas que gosta para se manter no ramo e garantir seus interesses. Quando pensei sobre como o filme mostra esse “se encontrar”, fiquei triste pois no final do filme Andrea sacrificou todo este novo ser dela porque Miranda disse a ela que via muito de si nela, e isso a fez desistir pois Miranda era uma pessoa com a qual ela não queria parecer nunca. Para mim ela poderia muito bem continuar seguindo esta nova vocação sem se deixar levar corromper pelo meio, ela já havia se tornado outra pessoa que não poderia simplesmente esquecer aquilo tudo e voltar a ser jornalista, já não fazia muito sentido mas o filme termina desta forma, dando a entender que aquela experiência na revista de moda somente serviu como aprendizado mas devia ser deixada para trás. Ao pensar este “se encontrar” na minha vida, vejo que quando entrei no curso de Psicologia eu não tinha aquilo como sonho e não me interessava tanto, já que sempre pensei em fazer outro curso, mas acabei por descobrir ali uma vocação, e acredito hoje que serei uma boa psicóloga e fiz uma boa escolha, mesmo que ainda tenha no fundo um desejo de ser estilista.

Em alguns momentos do filme, como quando Andrea aceita ir para Paris no lugar da outra assistente mesmo ela sendo sua amiga e sabendo que ela queria muito ir, ou quando falta no aniversário do namorado para atender a caprichos da chefe, ela age de má fé e fugindo da responsabilidade por suas escolhas julga-se uma vítima das circunstâncias, dessa forma ela pode eliminar toda angustia gerada pela consciência da liberdade de escolha. O mais interessante é que no momento em que a chefe fala claramente para Andrea que ela ‘tem sim’ escolha, ela assume a sua responsabilidade e o controle sobre a sua vida. Esta angústia é muito forte para mim em todos os momentos, às vezes eu gostaria de me sentir como se não tivesse escolha, mas diferentemente de Andrea, sinto como se quase tudo dependesse do que eu escolho e essa liberdade me desespera pelo que eu posso estar perdendo se fizer escolhas erradas, mas tenho consciência de que por mais que a vida seja feita de escolhas, ainda vou errar bastante para que consiga fazer algumas escolhas certas.

Por fim, o que mais me marcou no filme foi a amizade “estranha” que se estabelece entre Andrea e Miranda, e mais ainda, a cena em que Andrea entra no quarto de hotel e se depara com Miranda chorando toda sem maquiagem e mal arrumada, a qual se encontrava assim porque seu ultimo marido, como os outros também estava pedindo o divorcio, e ela manifesta uma preocupação com a falta de figura paterna para as filhas. Acredito que o mesmo desconcerto em que ficou Andrea eu também fiquei, mas também fiquei encantada, pois ao longo do filme fico incomodada, pois sei que Miranda possui um lado humano, mas este não é mostrado hora nenhuma, e nesse momento isso se evidencia de uma forma muito forte, o que me deixou encantada, mas ao mesmo tempo, no resto do filme ela volta a ser fria e isto me deixou muito triste, pois eu realmente queria que ela passasse a viver sua vida de forma diferente, eu senti muita pena e indignação de nada mudar, pois senti a dor dela no momento em que ela se mostra fraca, fiquei somente pensando como deve ser viver a vida toda daquela forma, esta personagem me mobilizou sentimentos muito fortes.

Assim, este filme para mim foi bastante rico para refletir sobre vários aspectos da minha vida, e conhecê-lo sob este ponto de vista de considerar minha subjetividade para mim foi bastante rico e fiquei bastante satisfeita com os resultados. Porém o que achei mais curioso e realmente fiquei impressionada foi como a professora me indicou um filme que se passa em uma revista de moda, pois desde criança meu sonho é fazer o curso de Moda, sempre quis ser estilista e desde os 10 anos desenho modelos com roupas que eu mesma criava, até minhas roupas das formaturas da oitava serie e terceiro colegial foram desenhadas por mim, até o tecido eu escolhi e elas ficaram lindas. Pode ter sido coincidência a professora ter indicado esse filme, mas o que digo é que ele mexeu muito comigo desde o inicio, pois reviveu este sonho meu que estava adormecido desde que entrei no curso de Psicologia, o que fiz por não ter condições de pagar um curso de Moda em uma universidade particular, e a partir de agora passei a repensar o que farei do meu futuro, e por mais que eu vá exercer a minha profissão de psicóloga ainda quero fazer o curso de Moda e talvez um dia seguir meu sonho de criança de me tornar uma estilista e talvez até trabalhar em Paris...

À flor da pele


O que será que me dá

Que me bole por dentro, será que me dá

Que brota à flor da pele, será que me dá

O que me sobe às faces e me faz corar

E que me salta aos olhos a me atraiçoar

E que me aperta o peito e me faz confessar

O que não tem mais jeito de dissimular

O que nem é direito ninguém recusar

E que me faz mendigo, me faz suplicar

O que não tem medida, nem nunca terá

O que não tem remédio, nem nunca terá

O que não tem receita

O que será que será

Que dá dentro da gente e não devia

Que desacata a gente, que é revelia

Que é feito uma aguardente que não sacia

Que é feito estar doente de uma folia

Que nem dez mandamentos vão conciliar

Nem todos os ungüentos vão aliviar

Nem todos os quebrantos, toda alquimia

Que nem todos os santos, será que será

O que não tem descanso, nem nunca terá

O que não tem cansaço, nem nunca terá

O que não tem limite

O que será que me dá

Que me queima por dentro, será que me dá

Que me perturba o sono, será que me dá

Que todos os tremores me vêm agitar

Que todos os ardores me vêm atiçar

Que todos os suores me vêm encharcar

Que todos os meus nervos estão a rogar

Que todos os meus órgãos estão a clamar

E uma aflição medonha me faz implorar

O que não tem vergonha, nem nunca terá

O que não tem governo, nem nunca terá

O que não tem juízo.

Já faz algum tempo que eu estou pensando sobre o que escrever. Num dias desses a professora comentou que tinha que ser escrito na primeira pessoa, e que gostaria que fizéssemos uma analise de um filme, um livro, um poema, etc. Então pensei, se tem que ser na primeira pessoa então porque não falar de mim mesmo. Resolvi, vou falar de mim, de alguma coisa que me tocou durante essa disciplina, utilizando um desses meios sugeridos. Escolhi a música “O que será? (À flor da pele)” de Chico Buarque.

Eu já conhecia e gostava muito da musica “O que será? (À flor da pele)”, mas faz pouco tempo que ela começou a fazer sentido na minha vida. Estou passando por um momento muito especial, tanto na minha vida acadêmica, quanto na minha vida pessoal. Os paradoxos da vida humana, fim de curso, hora de fazer algumas escolhas, cobranças de vários lados, hora de estabelecer prioridades, amadurecer, aliar emocional e racional, vontade de voltar para casa dos pais e ao mesmo tempo vontade de ser independente. É, não é fácil. Então, no meio dessa crise, em uma tarde de sábado, escutei essa musica em uma palestra, e comecei a refletir. Percebi que ela descrevia muito bem o momento pelo qual estou passando e o motivo que me faz apaixonar cada vez mais pela psicologia. No entanto, após escutarmos a musica, a leitura que foi feita era totalmente contrária a que eu fazia em meus pensamentos. A palestrante dizia que o que a motivou a fazer psicologia era encontrar a resposta para toda aquela angustia demonstrada na musica, e que essa resposta é possível: achar a receita, achar as palavras, achar o limite, controlar. No mesmo momento eu pensei: “não pode ser, a magia do ser humano está justamente nisso, no que não tem sentido, no que não pode ser traduzido em palavras e muito menos explicado. Eu busquei a psicologia por isso, e se descobrir todos os sentidos da vida ela perde a graça.”

E todo esse meu pensamento foi identificado nessa disciplina, na posição fenomenológica. Descobri que é possível diminuir a angustia, tratar os “problemas psicológicos” de uma pessoa sem ter que explicar tudo. Assumir que em vários momentos vão surgir sentimentos inefáveis, e a melhor saída é apenas senti-los, nunca tentar cessa-los. Dessa forma, talvez possa encontrar um motivo, uma causa, um porquê.

Por isso, uma vez trouxe essa musica para apresentar para a turma. Achei que ela se encaixava perfeitamente nos temas que discutimos durante as aulas, e tinha a necessidade de compartilhar com outras pessoas a visão que tinha dela.

Aqui entra também outro aspecto discutido nas aulas, a forma com que cada pessoa enxerga a realidade depende de duas perspectivas. Respeito o ponto de vista da palestrante, e acho até legal ela ter pontos de vista diferente do meu (mais uma vez a magia do ser humano), pois isso permite a reflexão, a discussão, e consequentemente um aprendizado, um crescimento, e acho que a arte foi feita para isso mesmo, tocar cada pessoa de uma forma diferente, ser objetivo de questionamentos e reflexões. Então, vou falar um pouquinho da musica, sobre as minhas percepções e sentimentos em relação a ela.

Ao ouvi-la, não sinto angústia na voz da pessoa que canta. Sinto um encantamento, uma surpresa apaixonante em descobrir que algo pode despertar tal sentimento, tão singular, tão profundo, que nem pode ser traduzido em palavras. Encantamento em perceber que se é capaz de sentir algo que vai contra todas as lógicas da razão, que mexe com todo o corpo, com todos os sentidos. Me dá a impressão que tudo isso o faz sentir vivo, o motiva, dá prazer, é a essência da vida.

Bom, acho que tudo isso é o que sinto quando ouço a música e me identifico com tais sentimentos. Diante de tantos paradoxos naturais ao ser humano, surgem coisas que não precisamos explicar, encontrar receitas, motivos, controlar. Devemos apenas sentir. Sentir lá no fundo do peito, sentir a pele corar, por todo o corpo, tremores, ardores, aflição, ser nunca saciado, diminuído, sem sentir vergonha de sentir, e o melhor, ter certeza de que nem todos os santos, nem toda alquimia conseguir acabar com tudo isso. Isso para mim se chama paixão, e temos que ter paixão pela vida. Sentir frio na barriga no momento da espera, ser sincero, se deixar descontrolar e vir a tona todos os sentimentos, pela pele, pelos olhos, deixar que os outros vejam isso, nunca deixar-se saciar, a busca pelo conhecimento nunca acaba, e ter certeza de que ninguém vai poder tirar-nos isso nunca.

Isso é a magia do ser humano, que me encanta a cada dia que entro em contato com pessoas diferentes, cada um com sua história. Às vezes estão com a paixão pela vida apagada, e aí entra a psicologia. Despertar novamente a paixão pela vida e deixar as pessoas a vontade para que se permitam sentir é o meu objetivo. Essa busca é a minha paixão, tanto como profissional psicóloga, quanto pessoa.

(Larissa Molina da Costa - ex aluna)

Buber X Lévinas

(Neste curto ensaio quero focalizar a questão do conhecimento de Deus através do diálogo com a filosofia de Lévinas e de Martim Buber)

Lévinas se coloca em oposição às filosofias da totalidade. Como “totalidade”, Lévinas entende a tentativa da filosofia ocidental de “reduzir o outro ao Mesmo”. Isto, no seu ponto de vista representa uma violência, um desrespeito à alteridade. Esta filosofia situa o valor da vida humana no nível dos alcances cognitivos, reduz todas as coisas, bem como o Outro em simples objetos de conhecimento. Lévinas comenta que para a filosofia ocidental, somente aquilo que pode ser descoberto ou desvelado pode ser significativo. A ontologia é, então, imanência. Aquilo que não pode ser verificado e explicado racionalmente é, para ela, mera opinião (doxa). O filósofo acusa, então, a filosofia ocidental de valorizar uma imanência que marginaliza a transcendência. Há um esquecimento do Outro em favor do Mesmo. Para tanto, ele propõe um repensar crítico da tradição filosófica ocidental, com base em três aspectos: primeiro, do primado do conhecimento sobre a relação ética; segundo, do Si-mesmo em relação ao Outro e; terceiro, da evidência (imanência) em prejuízo da transcendência.

Lévinas reconhece que o Transcende (Deus) é “totalmente outro”. A relação do homem com Deus não pode se dar face a face, senão através do rosto do outro.

Uma relação com o Transcendente (...) é uma relação social. Aqui o Transcendente, infinitamente outro, nos solicita e nos chama (...) O infinito é a transcendência mesma (...) Se a totalidade não pode constituir-se é porque o infinito não se deixa integrar. O infinito não é objeto de um conhecimento – o que o reduziria a uma medida do olhar que o contempla – senão o desejável, o que suscita o desejo (...) E só a idéia do infinito mantém a exterioridade da relação (LÉVINAS, 1988, P. )

Lévinas, então, busca Deus no rosto do outro? De certa forma sim, mas o rosto do outro não é o de um Deus encarnado, como no cristianismo. No entanto, o filósofo se identifica com a passagem do evangelho narrado por Mateus[1], que diz que Deus deve ser visto na face dos famintos, dos encarcerados e dos indigentes. Lévinas, busca na tradição dos antigos profetas de Israel para clamar em defesa da viúva, do órfão e do estrangeiro. Ele considera que a relação entre o homem e Deus depende de uma relação homem a homem, em que o humano deva assumir a plena responsabilidade como se Deus não existisse. Sua convicção é de que interrogar-se sobre o ser ou o não ser é irrelevante. O que importa é preocupar-se com o bem do outro.

O Deus de Lévinas, portanto, acaba sendo alguém extremamente distante do homem.

Em um trecho de um ensaio que escreve sobre o sentimento de ser judeu, Lévinas diz que esse mesmo Deus totalmente distante, vem do interior, conforme citação seguinte:

"Deus que vela sua face não é, pensamos, uma abstração de teólogo nem uma imagem de poeta. É a hora em que o indivíduo justo não encontra nenhum recurso exterior, em que nenhuma instituição o protege, em que a consolação da presença divina no sentimento religioso infantil se nega também, em que o indivíduo apenas pode triunfar em sua consciência, ou seja, necessariamente no sofrimento. Sentido especificamente judeu do sofrimento que não toma em nenhum momento o valor de uma expiação mística pelos pecados do mundo. A posição de vítimas em um mundo em desordem, ou seja, em um mundo onde o bem não chega a triunfar, é sofrimento. Ele [o sofrimento] revela um Deus que, renunciando a toda manifestação solícita, convoca à plena maturidade do homem responsável integralmente. Mas no mesmo instante, este Deus que vela sua face e abandona o justo à sua justiça sem triunfo – este Deus longínquo – vem do interior. Intimidade que coincide, para a consciência, com o orgulho de ser judeu, de pertencer concretamente, historicamente, estupidamente ao povo judeu. “Ser judeu, isso significa... nadar eternamente contra a imunda e criminosa correnteza humana... Eu sou feliz em pertencer ao povo mais infeliz de todos os povos da terra, ao povo cuja Thorá representa o que há de mais elevado e de mais belo nas leis e ensinamentos.” A intimidade do Deus viril se conquista numa provação extrema. Por minha pertença ao povo judeu que sofre, o Deus longínquo se torna meu Deus. “Agora eu sei que tu és verdadeiramente meu Deus, pois tu não saberias ser o Deus daqueles cujos atos representam a mais horrível expressão de uma ausência de Deus, militante.” O sofrimento do justo por uma justiça sem triunfo é vivido concretamente como judaísmo. Israel – histórica e carnal – tornando-se novamente categoria religiosa." (LÉVINAS, 1963, P. 201-206)

Em Lévinas, Deus é totalmente transcendente e a sua relação com o humano é de assimetria. Deus não pode ser objeto de um conhecimento, o que o reduziria ao olhar que o contempla. O acesso ontológico baseado no conhecimento não respeita a alteridade de Deus. Trata-se de um acesso “violência” e isso é detestável. Por isso tal acesso deve se dar na justiça e nas relações não violentas. Deus é inabarcável em sua alteridade, ou seja, não se deixa de modo algum ser apreendido em conteúdos e conceitos.

Em Lévinas, a idéia de Infinito, mesmo que não constitua uma prova da existência de Deus, é bastante significativa pois representa a possível relação entre o finito e o infinito. Trata-se de uma relação onde não há reducionismos. A relação com o Infinito (próximo e transcendente ao mesmo tempo) é considerado um movimento ético.

O filósofo, também judeu, Martim Buber tem uma outra visão de Deus. Para ele, Deus mantém com o homem uma relação de reciprocidade, de proximidade, de cumplicidade. Trata-se de uma relação fundante, ou seja, a que sustenta as demais relações humanas. No entanto, é uma relação intimista, de parceiros.

Muito mais acentuadamente do que em Lévinas, em Buber pode-se ver claramente uma síntese entre e transcendência e a imanência divinas.

Assim como em Lévinas, Buber considera a impossibilidade da fusão do ser humano com Deus. A separação entre o humano e o divino é fundamental para que se mantenha a necessária dualidade do “encontro”.

Deus e humano são, para os dois filósofos, totalmente diferentes. A possibilidade de diálogo entre o humano e o divino é que permite ao homem transcender os limites que a natureza lhe impõe.

O que diferencia um do outro é a maneira como entendem a relação Deus-homem.

BUBER, M. Eu-Tu. São Paulo: Moraes, 1979

LÉVINAS, E. Totalidade e Infinito, Lisboa, Edições 70, 1988

LEVINAS, E. Difficile Liberté: essais sur le judaisme. Paris: Albin Michel, 1963/ Librairie Générale Française, 1984 (Le Livre de Poche), p.201-206.)


[1] Mt 25, 42-43

JARDIM DA VIDA

"(...)Imaginemos um jardim, com centenas de árvores das mais variadas, milhares de flores das mais variadas, centenas de frutos, de ervas das mais variadas.Se se dá o caso de o jardineiro desse jardim não conhecer outra diferenciação botânica que não seja a de «comestível» e «erva daninha», então não saberá lidar com nove décimos do seu jardim, arrancará as flores mais encantadoras, abaterá as árvores mais nobres ou pelo menos há-de odiá-las e olhá-las de través.Assim age o Lobo das Estepes para com milhares de flores da sua alma.(...)"

HERMAN HESSE,"O Lobo das Estepes".

A ESSÊNCIA DO TRABALHO E A DIVINDADE DO SER

(Hugo Cesar Palhares Ferreira - meu ex aluno querido)

INTRODUÇÃO

A proposta do presente trabalho é um tanto quanto diferente para mim, pois escrever de forma existencial e em primeira pessoa apesar de parecer uma tarefa sem grandes possibilidades de erros grotescos nos permite descrever coisas e situações pouco atraentes para a grande maioria das pessoas.

Porém como o propósito é diferente então me entregarei ao pressuposto. Mas acabo caindo novamente em outro vão, pois quando é livre a forma de se expressar, como falar o que quero falar sem generalizar minhas emoções para o resto da humanidade? Tornar o que é tão meu e rico em alguma coisa pobre e sem sentido para todos os outros, como falar de mim sem me comparar com o mundo, se o mundo também é tão diferente dos meus sentimentos. Vejo apenas uma solução, vou expor meu ser aqui de uma forma geral, mas quero que todos que leiam compreendam que não estou falando da humanidade em geral, mas da minha humanidade, do meu estar, mas como todo vivente acho que o mundo sente o mesmo que eu, mesmo sabendo que não é bem assim (já é uma de minhas generalizações).

Voltando a proposta de uma escrita existencial, continuarei a falar do texto que se segue, tudo bem com o que foi proposto posso fazer um texto em que estou dentro dele em sentimentos e comportamentos, mas ao falar dessa humanidade (essência?) não quero cair em assuntos vagos que não interessam a vocês (a mim) e ser superficial em vários contextos, então por mais normal que possa parecer me senti na obrigação de elucidar que este será dividido em Introdução, Desenvolvimento e Conclusão; farei que o primeiro e o último destas divisões sejam completamente pessoais e sem o envolvimento direto com outros textos, enquanto deixo livre para o desenvolvimento que outros textos (pessoas e idéias) se façam presentes, já começo aqui a relacionar o próprio texto com os humanos, apenas o desenvolvimento permite esta interferência direta com citações e etc. mas o início e as conclusões são extremamente solitárias e desamparadas, mas isso não deixa de ser bonito, pois nada nos é mais próprio que a fala que trazemos das próprias elucubrações, então ao mesmo tempo que me agrada transformar em idéias as idéias alheias me sinto sozinho quando as coloco no papel, mas o que me revitaliza novamente é que provavelmente este texto que coloquei sozinho em uma introdução, poderá novamente ser parte do desenvolvimento de alguém (texto ou pessoa).

A idéia principal deste texto é comparar o estilo de vida real e místico na formação do trabalho humano e na valorização da inocência, a transformação da inocência para o homem que trabalha – o ser que trabalha por ter em si pecado do conhecimento – e como o homem aceita ou não sua desventura em sentimentos e construções psíquicas, sociais e principalmente filosóficas.

DESENVOLVIMENTO

Ao pensar em escrever sobre o ser e seu estar, logo me veio a mente construir algo no mesmo sentido que baumam em seu livro sobre a comunidade explicitou em seu primeiro capítulo uma história bastante interessante sobre Tântalo, um ser humano que tinha um ótimo convívio com os Deuses mas cometeu um crime que foi condenado e punido pelos Deuses, Quanto à natureza do crime, os vários narradores da história discordam. Alguns dizem que ele abusou da confiança divina e revelou aos outros homens mistérios que deviam permanecer ocultos dos mortais. Outros dizem que ele foi arrogante a ponto de se acreditar mais sábio do que os deuses, tendo decidido testar os divinos poderes de observação. Outros narradores ainda acusam Tântalo de roubo de néctar e ambrósia que nunca deveriam ser provados pelos mortais. Os atos imputados a Tântalo são, como vemos, diferentes, mas a razão por que foram considerados criminosos é a mesma nos três casos: Tântalo foi culpado de adquirir e compartilhar um conhecimento a que nem ele nem os mortais como ele deveriam ter acesso. Ou, melhor ainda: Tântalo não se contentou em partilhar a dádiva divina — por presunção e arrogância desejou fazer por si mesmo o que só poderia ser desfrutado como dádiva. Quanto à punição Tântalo foi mergulhado até o pescoço num regato — mas quando abaixava a cabeça tentando saciar a sede, a água desaparecia. Sobre sua cabeça estava pendurado um belo ramo de frutas — mas quando ele estendia a mão tentando saciar a fome, um repentino golpe de vento carregava o alimento para longe.

Claro que os mitos colocam de forma caricaturizada aquilo que quer nos ensinar, então faço as trocas que penso que tornaria mais fácil o entendimento, Tântalo poderia continuar a ser feliz e conviver bem com os Deuses desfrutando de tantos prazeres se não fosse a necessidade que lhe ocorreu de dividir o que sabia com os homens, ele pegou o saber e o tornou seu e sentiu que poderia distribuir, claro que nas histórias não é a primeira vez que acontece ta maneira, voltemos então a Adão e Eva, eles também tinham uma vida muito parecida com Tântalo, vivia bem com Deus e tinha tudo que necessitava, mas quando tiveram a oportunidade de conhecer e difundir o conhecimento que estava próximo também foram punidos e expulsos do bom viver com esse Deus. Baumam então ao se aperceber dessas histórias diz que o caminho da felicidade está em manter a inocência, pois foi exatamente quando Tântalo se sentiu dono do saber e Adão e Eva tomaram o saber para si é que se perdeu a inocência das coisas e com isso o castigo da expulsão da felicidade tenra.

E ao que parece pelo menos para alguns Deuses o trabalho é o pior dos castigos, pois se quer ter algo terá que buscar, e não terá nenhuma intervenção Divina para auxilia-lo, foi assim com o Deus Bíblico, os Deuses Gregos também não ficaram atrás nesse castigo, e tanto para um quanto para outro a inocência é algo que quando perdida não tem volta, muito menos perdão.

Parece que culpamos muito os Deuses para os trabalhos humanos, então como a transformação da inocência para o saber é vista pelo homem? Pelo que percebo os humanos também vêem a perda da inocência como algo para ser punido pelo duro e ingrato trabalho, pois é exatamente quando temos saber o suficiente que somos colocados em algum ambiente para trabalhar e assim nos tornarmos responsáveis por nós mesmos, afinal quando somos inocentes crianças não precisamos nos preocupar com o trabalho ou em como as coisas nos são dadas (casa, comida, fantasias, etc.) apenas desfrutamos destas coisas, mas nos desenvolvermos começamos a perceber que devemos estudar, ou apenas compreender, que se não trabalhar logo não terá mais estas regalias divinas, então ao perder esta inocência somos destinados ao trabalho, assim como castigo de todos os Deuses.

Agora temos então um Ser que trabalha e que não é inocente, dono do seu próprio destino, pronto para viver a aventura da vida e talvez retornar ao convívio dos Deuses, mas na minha leitura parece que já concordamos em viver longe deles, pelo menos nos acostumamos a estar longe dos prazeres imediatos e inocentes que eles podem nos oferecer, gostaria nesse momento que nos colocássemos no lugar de Adão e Eva (vou facilitar), nos coloquemos de volta quando éramos inocentes crianças que tínhamos uma liberdade limitada pelos nossos Deuses (Pais), quando perdemos a inocência não apenas o trabalho nos espera, mas a liberdade de poder trabalhar e conquistar mais coisas e quem sabe nos transformar nos mesmos Deuses que agradecíamos as graças dadas, e quando essa possibilidade aparece não queremos mais voltar a ser inocentes crianças, mas sim de controlar e ter poderes suficientes para nos prover de regalias e servir de regalo a outros (inocentes?).

Orlandi ao falar da morte de Deus e a liberdade do homem no seu texto diz que: suponhamos que Deus não exista. Se Deus morreu, que acontece com o homem? Neste caso, diz Sartre, o homem está essencialmente “abandonado”, isto é, o homem se encontra na impossibilidade de “enganchar” sua existência em algo que poderia servir-lhe de apoio essencial: um apoio sumamente seguro fora do homem e/ou suficientemente seguro numa essência interior a ele. Então, se o homem vive em estado de abandono, as condutas, paixões e valores humanos só podem obter compreensão em função dos combates que se travam na própria existência humana.

Claro que quando digo que somos abandonados por nossos Deuses vou quase que na mesma direção da morte dele, mas existem diferenças entre elas é que às vezes podemos orar e conseguir graças divinas, afinal não estou na visão de Sartre na morte de Deus, mas do castigo do abandono, não somos órfãos (quer dizer muitos sim) mas podemos buscar vários homens que em nossa concepção sejam Deuses (pais, patrões, anciãos, ou alguém com poderes de influência ou financeira). Mas o que quis mostrar com o texto de Orlandi é que nos sentimos abandonados e esse abandono nos renega à liberdade, pois não é nossa culpa se Deus não existe mais, mas a inexistência dele nos coloca na mesma dualidade de quando perdemos a inocência, somos livre e temos que lidar com isso, um pouco mais a frente no texto, Orlandi menciona que “se sou condenado a ser livre, sou “responsável” por tudo aquilo que faço, sou radicalmente “condenado, a cada instante, a inventar o homem” que sou, de modo que não posso acreditar que vivo determinado como coisa entre as coisas.”

A responsabilidade de ser livre e pagar por essa liberdade, seja essa liberdade um preço a se pagar pela inocência ou apenas um carma herdado pelas gerações, é muito comum e parece ser inerente o ser que desenvolve (trabalha), mas como perceber o ser que se é, se a liberdade não está presente, então direciono meu pensamento para uma questão existencial de Kierkegaard mencionado por Frazão, diz que “o ser que conhece, que atribui significados, não pode abstrair-se de si mesmo e contemplar a existência como sendo subespécie da eternidade. Através das dificuldades, as incertezas, os conflitos, o homem pode chegar à constituição moral e ao crescimento espiritual.”

Fico a pensar sobre esse crescimento espiritual e chego novamente à busca do homem que deseja ser divino pelo trabalho (existir), mesmo este trabalho não sendo uma busca individual, mas o resultado de outro pecado. Agora imagino se o Ser precisa deixar de ser inocente para ser divino ou se a busca pela divindade é uma desculpa do Ser para não buscar meramente sua sobrevivência.

CONCLUSÃO

Pensar sobre o trabalho humano independente da natureza (do trabalho), é muito interessante mas nos permite claro muitas interpretações, desejei demonstrar neste texto uma das minhas visões do servir e das divindades, acredito sim em um homem que deseja, que trabalha, que é divino e que é órfão de seus Deuses, mas também acredito que um dia esse mesmo homem vai ser divino (se já não o é) para alguém e que também chegará a abandonar forçando o humano que crê no ser que trabalha e assim continuar um ciclo que não merece julgamento.

Mas saio deste texto com o sentimento de que terminei o que eu havia me proposto, e na solidão da conclusão como mencionado no início me separo de mais uma etapa de um trabalho concluído, talvez esteja eu mais perto de ser divino a cada etapa de trabalho feito. Quem sabe.

REFERÊNCIAS

BAUMAM, Zigmunt. Comunidade: A Busca Por Segurança no Mundo Atual. Tradução Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

ORLANDI, Luiz B. L. Sartre e certa paixão pela potência de pensar e agir. Disponível em: Acesso em: 06/12/2008 às 20:00hrs.

FRAZÃO, Francisco José Resende. A Perspectiva Antropológica do Existencialismo. Disponível em: Acesso em: 06/12/2008 às 20:00hrs.