10 de nov. de 2010

MISTÉRIO HUMANO

(Carita Portilho - ex aluna)

Ser humano é ser contradição, devir, dialética, encontros e desencontros. Ser humano é saber o que é melhor para si, é encontrar-se ao se perder, é possui a capacidade de se organizar. Ser humano é ser criativo e ao mesmo tempo não conseguir vislumbrar saídas para um problema recorrente. O ser humano é um todo composto de partes que se interrelacionam constantemente. Ser homem é buscar sentido para si e para o mundo. Ser humano é relacionar-se consigo e com os outros, é ser cultural, social, histórico. Ser humano é possuir um corpo, ter cognição, subjetividade, afetos. Ser homem é construir tramas, é viver dramas. Ser humano é permanecer em constante construção e desconstrução, é nunca estar acabado. Ser humano é mistério. Viver o mistério é viver o desenvolvimento humano:

O desenvolvimento humano, acontecimento absolutamente único para cada indivíduo, é o lugar onde o mistério tomou corpo como uma série de mediações, de “modos” e de problemas; lugar em que os problemas individuais podem se fechar em seu caráter de problema, colocando-se efetivamente em oposição ao mistério, ou podem tornar-se dinamicamente uma encarnação, uma presença transparente do mistério e uma ocasião de crescimento na manifestação da realidade do mistério (IMODA, 1996, p.14).

O curso do desenvolvimento humano constitui o próprio mistério através do qual o homem se torna aquilo que é mesmo que não pudesse sê-lo. Viver o mistério significa desenvolver-se, colocar-se entre a miséria e a dignidade, entre o ser e o não ser, entre o temporal e a eternidade, entre o corporal e o espiritual, entre o finito e o infinito (IMODA, 1996). Nesse sentido, todos os homens vivem a realidade do mistério.

O mistério do ser humano manifesta-se no tempo, no riso e na dor, na busca, na solidão e na insatisfação. O homem não é mais o que foi ontem e ainda não é o que será amanhã, ou seja, o tempo é o choque entre o ser e o não ser. Concomitantemente ao fato de o tempo escancarar a finitude do homem ele traz consigo a esperança a respeito do novo que há de vir. Nesse sentido, a temporalidade constitui-se em uma dimensão que marca fortemente o mistério humano.

O riso é mais uma das manifestações do mistério humano. Apenas quem consegue identificar-se com algo e, ao mesmo tempo, afastar-se dele é capaz de rir. O homem sorri porque pode de algum modo ser e não ser parte de um certo mundo, ele consegue manter-se dentro e fora de uma mesma situação. “É ainda a relação entre o parecer e o ser, considerada sob a forma de incongruência entre os dois, que suscita e sustenta o riso” (IMODA, 1996, p. 29).

A dor é um fenômeno que revela o mistério humano ao propiciar descoberta e crescimento:

É na dor e na falta (ausência) que se aprende a distinção entre o ser e o dever ser, entre o real e o ideal e se vive a divisão interna, manifestando até que ponto se pertence a dois mundos que desejaríamos reconciliados, mas incapazes de se reconciliar: um mundo de aspirações infinitas e um mundo de dados e de fatos, que resistem e limitam, restringem, assediam e impõem fronteiras reconhecidas freqüentemente como violentas (IMODA, 1996, p. 36).

Apesar da dor se mostrar muitas vezes como negativa, ameaçadora ou algo que faz sofrer, é ela que nos coloca em contato com a realidade. A dor é o lugar onde o mistério se manifesta justamente porque se coloca ao mesmo tempo como um caminho necessário para que a realidade coloque seus limites. Nesse sentido, “evitar a dor significaria, de modo absoluto, evitar a vida” (idem, 1996, p. 37).

O mistério do ser humano também manifesta-se na inesgotável necessidade de buscar, de descobrir, explorar. Graças à busca, ao contato com o novo, uma pessoa pode passar a ser aquilo que ainda não foi. No entanto, para que seja possível descobrir horizontes e mundos novos é preciso pertencer a um mundo bem definido de ligações, afetos e interesses, ou seja, busca-se ir além, conhecer o estranho, o diferente, mas é necessário ter sempre um lugar seguro para onde se possa voltar.

A solidão é um outro componente do mistério humano. O homem é marcado pela contradição de buscar estar com o outro, construir uma intimidade e também fugir de contatos íntimos, da proximidade, da cumplicidade. Essa fuga se configura nos momentos em que o contato com outrem é percebido como ameaça ou algo intrusivo. A solidão aqui é vista como uma busca ativa por estar consigo mesmo, conhecer-se, entrar em contato com o que é seu: os medos, as vontades, os desejos e os sentimentos.

Em última análise, coloca-se o mistério manifestando-se através da insatisfação, da inquietação e da dúvida. O homem necessita de movimento, paixões, atividades, perguntas: quando o ser humano não pergunta mais, cessa de algum modo de ser mistério para si próprio e, desse modo, deixa de ser ele mesmo. As vitórias, as conquistas e o sucesso não põem fim à inquietação que se mostra constante na existência humana.

Se se concorda que o ser humano é mistério, aproximar-se dele significa, além de uma atitude de admiração e de conhecimento, uma atitude de respeito pela liberdade e pelas escolhas feitas pela pessoa. Nesse sentido, a clínica torna-se um espaço de cuidado, onde o desenvolvimento é o lugar em que o mistério toma forma.

REFERÊNCIAS:

IMODA, F. Psicologia e mistério: o desenvolvimento humano. São Paulo: Paulinas, 1996.

OLIVEIRA, R. G. de. Especificidades da relação terapeuta-cliente no Plantão Psicológico. Disponível em: http://www.gestaltsp.com.br/textos/especificidades.htm. Acesso em: 22-01-08.

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