1 de jul. de 2010

A experiência de ser só estando com o outro


(Fabíola Graciele Borges - Psicóloga)

“E ninguém é eu. Ninguém é você. Esta é a solidão”

Clarice Lispector

O que me leva a escrever sobre solidão? O fato de eu ser única e experienciar coisas das quais, embora tente, nunca possa verdadeiramente compartilhar. Existir é estar só. Nas palavras de Stigar (2008), “Na realidade, o facto de ser é o que há de mais privado; a existência é a única coisa que não posso comunicar; posso cantá-la, mas não posso partilhar a minha existência”. Por isso, minha intenção aqui é cantar minha experiência de solidão, como a entendo e caminho com ela. Não é um tratado nem mesmo uma dissertação bem fundamentada a respeito. Até porque não teria condições para fazê-lo. Consiste apenas em minhas divagações e reflexões sobre minha própria experiência de solidão. Todavia, para cantá-la, formarei coro e farei duetos com outras pessoas que também pensaram esse assunto.

A maioria das pessoas entende solidão como a ausência do outro, até mesmo ligada à distância física. Dessa forma, diz-se que está sozinho por não ter ninguém presente fisicamente. É comum a aproximação dos termos solidão e isolamento. Ao ler o que pensadores atuais dizem a respeito, encontrei também esta visão de ausência do outro, ainda que não limitada à ausência física, mas referindo-se ao sentimento de estar só, sem alguém. Não desconsidero esta forma de compreensão, contudo, penso haver outras.

As idéias de Martin Heidegger sobre solidão foram ao encontro da minha experiência e me auxiliaram no processo de compreendê-la. Para ele, a solidão é a condição do ser-no-mundo. Ela faz parte da angústia existencial do homem, é ontológica, não pode ser extinta (HEIDEGGER apud FIGUEIREDO, 1994). Logo, os esforços que fazemos para não senti-la, apenas a transfiguram por determinado tempo. A necessidade de estar acompanhado, com o tempo todo preenchido, buscando incessantemente por conhecimento ou pelo ideal estético, constituem em subterfúgios muito utilizados pelo homem contemporâneo na tentativa de afastar de si a solidão. Todavia, ela apenas fica mascarada, pois faz parte da condição da própria existência do homem, não podendo ser arrancada como se fosse uma erva daninha.

Clarice Lispector se aproxima muito da compreensão de Heidegger sobre a condição humana e a solidão que lhe é inerente. De forma belíssima e extremamente sensível ela retrata em seus contos a solidão existencial como forma de ser no mundo. Ela diz:

Minha força está na solidão.

Não tenho medo nem das chuvas tempestivas

nem das grandes ventanias soltas,

pois eu também sou o escuro da noite

Notamos aí não somente a aceitação da solidão como algo inerente à sua própria existência, como também uma compreensão profunda do valor da mesma que a leva a tirar proveito desta condição. Ela aceita, caminha e tira forças da solidão. Ao invés de fugir, evitando assim o confronto com a dor de saber-se único e irremediavelmente só no mundo, Clarice se abre para seu “escuro” e o transforma em força de criação. Criação não apenas de uma obra, mas criação de si mesma enquanto ser humano.

Esta compreensão da solidão nos leva a abertura para o mundo e não o contrário, como pode acontecer quando a tomamos como algo que deve ser extinto ou somente como a ausência do outro. O dasein, isto é, o ser-aí de Heidegger, entendido como a abertura para o mundo, somente é possível quando o homem é ser-com, quando há partilha. Isso não exclui o que é vivido de modo único pelo sujeito. Nas palavras de Vieira e Freitas (s/d): “A presença do outro nos ajuda, compartilhando, efetivando a troca. Mas o outro não é o elemento para saciar a angústia ou para minimizar a condição de solidão”.

Tudo isso me auxilia pensar minha própria solidão e como a entendo, pois não a percebo como a ausência do outro. Não é possível estar e ser no mundo sem a perspectiva da alteridade. Mesmo que o outro esteja ausente, ele estará ainda entrelaçado no homem. Estar só é viver e experimentar coisas únicas, às vezes impossíveis de serem compreendidas por qualquer outra pessoa ou mesmo nominadas. Talvez, por isso, que os personagens de Clarice consigam expressar tão bem sua solidão, pois eles parecem viver “sempre no limite do inominável, o drama maior é o de não esgotar o próprio ser na linguagem, daí a busca sempre reiterada do originário, do irredutível” (ALVES apud COSTA, 2007).

Encontrei ainda Medard Boss com quem compartilho algumas idéias a respeito desse assunto. Para Boss, solidão e comunidade não se excluem, como comumente é pensado, porque ela é uma forma de comunidade, já que somente é possível ser sozinho tendo esta como referência. Considerando tal forma de pensar, a ausência de alguém, logo, não significa um vazio, mas um modo de sua presença (BOSS,1976, apud SÁ et al, 2006). Muito relevante, porém, na medida em que eu fazia coro com estas idéias de Boss, Stigar (2008) alcançou um grave que me fez perder a melodia. Ele questiona: “Existir com representará uma partilha verdadeira da existência?”. Pergunta capciosa.

Após algumas reflexões ensaiei uma resposta. Penso que existir com não represente uma partilha total da existência. Embora o outro permeie todo o processo de constituição de nós mesmos e seja essencial para nossa abertura para o mundo, há momentos que não podem ser experimentados igualmente por todos. Nossa experiência é única, assim como nossa existência e solidão. A solidão é a forma plena de ser si mesmo. Em O labirinto da solidão (1994), Octávio Paz diz que “... todos os homens, em algum momento da vida, sentem-se sozinhos; e mais: todos os homens estão sós. Viver é nos separarmos do que fomos para nos adentrarmos no que vamos ser, futuro sempre estranho”.

Conversando um dia com uma sábia conhecedora da cultura grega ela me disse que o teatro grego não era feito para as pessoas verem a tragédia, mas para terem visões. Por isso, o palco era uma arena que possibilitava vários ângulos de observação, além de ser comum o uso de substâncias alucinógenas nessas festas públicas. Fiquei impactada com a frase “era para se ter visões” e, por dias, fiquei pensando na abrangência e simbolismo de tal afirmação. Penso que se trata da nossa própria existência e experiência de estar no mundo. Somos levados a acreditar que há apenas uma visão da cena, da tragédia, isto é, modos limitados de pensar, sentir e viver nossa existência, sendo que na verdade há visões multifacetadas. O fato de você ter suas visões, diferentes das demais, o torna único e irremediavelmente só.

É assim que entendo minha solidão. Solidão de alguém que tem suas próprias visões, que sente de modo muito particular, mas que se abre para trocar com o outro o que é possível. Sou passarinho que faz coro, faz duetos, sabendo que nunca cantará a mesma canção da mesma forma que os demais do bando. Passarinho que sabe que se voar demais para a direita tentando se igualar aos outros, acabará chegando sempre na sua própria esquerda.

Um dia, tentando compartilhar minha experiência de existir escrevi o seguinte:

Às vezes sinto uma saudade de coisas que nunca existiram que chega a doer...

Às vezes sinto vontade de sair gritando pelo mundo anunciando o quão humanos somos...

Às vezes sinto minha alma tremer quando vejo coisas tão simples que chegam a ser inacreditáveis, mas sempre estiveram ali...

Às vezes não sinto nada, fico suspensa...

Às vezes sinto tudo de uma só vez e explodo, então, percebo que esta sou eu.

Quando acabei de escrever, me dei conta que era isso, mas não era somente isso e fiquei satisfeita com o “às vezes”. Percebi que, como diz o poeta, “as palavras são brutas” diante da experiência de ser no mundo. Posso compartilhar algo “ás vezes”, mas nunca poderei contar exatamente sobre mim, poderei cantar minhas dores, alegrias e histórias, mas quem sou verdadeiramente é algo que somente à minha solidão pertence.

ALVES, G. Entrevista com Fátima Costa. Revista Interpoética, 2007. Acesso em http://www.interpoetica.com/entrevista_fatima.htm. Acesso em 03 de dezembro de 2008.

FIGUEIREDO, C. Poesia e Fala. In:_____ Escutar, Recordar, Dizer. Encontros heideggerianos com a clínica psicanalítica. São Paulo: EDUC/Escuta, 1994.

LISPECTOR, C. Água Viva. São Paulo: Artenova, 1973.

PAZ, O. El labirinto de la soledad. Obras Completas (I). 2a ed. México, Fondo de Cultura Económica, 1994.

SÁ, R. N.; MATTAR, C. M.; RODRIGUES, J. T.; Solidão e relações afetivas na era da técnica. Revista do Departamento de Psicologia, UFF; v. 18, n.2 Niterói jul/dez 2006.

STIGAR, R. A solidão do ser. Disponível em http://www.webartigos.com/articles/6100/1/a-solidao-do-ser/pagina1.html. Acesso em 20 de novembro de 2008.

VIERA, M.; FREITAS, N. Psicoterapia e a condição do ser-no-mundo. Disponível em http://www.psicoexistencial.com.br/web/detalhes.asp?cod_menu=108&cod_tbl_texto=1579. Acesso em 03 de dezembro de 2008.

Mulheres

Mulher da Vida, minha Irmã.
De todos os tempos.
De todos os povos.
De todas as latitudes.
Ela vem do fundo imemorial das idades e
carrega a carga pesada dos mais
torpes sinônimos,
apelidos e apodos:
Mulher da zona,
Mulher da rua,
Mulher perdida,
Mulher à-toa.
Mulher da Vida, minha irmã.
Pisadas, espezinhadas, ameaçadas.
Desprotegidas e exploradas.
Ignoradas da Lei, da Justiça e do Direito.
Necessárias fisiologicamente.
Indestrutíveis.
Sobreviventes.
Possuídas e infamadas sempre por
aqueles que um dia as lançaram na vida.
Marcadas. Contaminadas,
Escorchadas. Discriminadas.
Nenhum direito lhes assiste.
Nenhum estatuto ou norma as protege.
Sobrevivem como erva cativa dos caminhos,
pisadas, maltratadas e renascidas.
Flor sombria, sementeira espinhal
gerada nos viveiros da miséria, da
pobreza e do abandono,
enraizada em todos os quadrantes da Terra.
Um dia, numa cidade longínqua, essa
mulher corria perseguida pelos homens que
a tinham maculado. Aflita, ouvindo o
tropel dos perseguidores e o sibilo das pedras,
ela encontrou-se com a Justiça.
A Justiça estendeu sua destra poderosa e
lançou o repto milenar:
“Aquele que estiver sem pecado
atire a primeira pedra”.
As pedras caíram
e os cobradores deram s costas.
O Justo falou então a palavra de eqüidade:
“Ninguém te condenou, mulher...
nem eu te condeno”.
A Justiça pesou a falta pelo peso
do sacrifício e este excedeu àquela.
Vilipendiada, esmagada.
Possuída e enxovalhada,
ela é a muralha que há milênios detém
as urgências brutais do homem para que
na sociedade possam coexistir a inocência,
a castidade e a virtude.
Na fragilidade de sua carne maculada
esbarra a exigência impiedosa do macho.
Sem cobertura de leis
e sem proteção legal,
ela atravessa a vida ultrajada
e imprescindível, pisoteada, explorada,
nem a sociedade a dispensa
nem lhe reconhece direitos
nem lhe dá proteção.
E quem já alcançou o ideal dessa mulher,
que um homem a tome pela mão,
a levante, e diga: minha companheira.
Mulher da Vida, minha irmã.
No fim dos tempos.
No dia da Grande Justiça
do Grande Juiz.
Serás remida e lavada
de toda condenação.
E o juiz da Grande Justiça
a vestirá de branco em
novo batismo de purificação.
Limpará as máculas de sua vida
humilhada e sacrificada
para que a Família Humana
possa subsistir sempre,
estrutura sólida e indestrurível
da sociedade,
de todos os povos,
de todos os tempos.
Mulher da Vida, minha irmã.
Declarou-lhe Jesus:
“Em verdade vos digo
que publicanos e meretrizes
vos precedem no Reino de Deus”.
Evangelho de São Mateus 21, ver.31.

Poesia dedicada, por Coralina, ao Ano Internacional da Mulher em 1975.

O Haver - pense nisso!

Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.

Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.

Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...

Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.

Depressão e cultura


(Ana Laura Campos de Melo - 2º período de Psicologia - UFU)

O problema abordado nesse ensaio é a depressão, uma doença que está se tornando comum, sendo uma das mais freqüentes entre as pessoas com algum problema de saúde. Depressão pode ser definida como um conjunto de alterações comportamentais, emocionais e de pensamento, como, afastamento do convívio social, perda de interesse nas atividades profissionais e acadêmicas, perda do prazer nas relações interpessoais, sentimento de culpa ou autodepreciação, baixa auto-estima, desesperança, apetite e sono alterados, sensação de falta de energia e dificuldade de concentração. Tais alterações tornando-se crônicas trazem prejuízos significativos em várias áreas da vida de uma pessoa. Aquele que está deprimido vê o mundo de forma diferente, sente a realidade de forma diferente e manifesta suas emoções de uma forma diferente.

Ao contrário do que se pensa, a depressão é muito freqüente e, segundo a OMS – Organização Mundial de Saúde, afeta 121 milhões de pessoas em todo o mundo. A depressão pode ser classificada em três tipos: depressão maior, distimia e transtorno bipolar (Caló, 2005).Observando esse dado da Organização Mundial de Saúde, que revela a grande quantidade de pessoas que possuem depressão, chega se a conclusão de que algo de muito errado está acontecendo com as pessoas, e que a saúde física e também mental não estão sendo lembradas pelas mesmas.

A depressão é muito complexa e difícil de ser diagnosticada, pois um dos seus principais sintomas pode ser confundido com tristeza, apatia, preguiça, irresponsabilidade e em casos crônicos como fraqueza ou falha de caráter. E por isso a demora na busca de tratamento por muitos pacientes. Os sintomas de um paciente depressivo são muito variados, dentre eles estão: pessimismo, dificuldade de tomar decisões,dificuldade para começar a fazer suas tarefas, irritabilidade ou impaciência, inquietação, achar que não vale a pena viver; desejo de morrer, chorar à-toa ou dificuldade para chorar, sensação de que nunca vai melhorar; desesperança, dificuldade de terminar as coisas que começou, sentimento de pena de si mesmo, persistência de pensamentos negativos, queixas freqüentes, sentimentos de culpa injustificáveis e também boca ressecada, constipação, perda de peso e apetite, insônia, perda do desejo sexual.

Períodos de melhoria e piora são comuns, o que cria a falsa impressão de que se está melhorando sozinho quando durante alguns dias o paciente sente-se bem. Geralmente tudo se passa gradualmente, é difícil ver todos os sintomas juntos. Antes de se fazer o diagnóstico a maioria das pessoas possuem explicações para o que está acontecendo com elas, sempre acreditam que é um problema passageiro. Há chances de a depressão ser um fator genético, por isso é importante investigar se há casos de depressão na família do doente.A depressão também pode ocorrer depois de uma situação estressante ou de perda. As pessoas se sentem tristes, numa crise financeira, separação ou morte; após uma situação estressante como: assalto, estupro ou seqüestro. Às vezes a pessoa não consegue sair desta tristeza e ela acaba se transformando em depressão. Algumas doenças também podem levar a depressão, são elas: esclerose múltipla, derrame, hepatite, hipotireoidismo, apnéia do sono, hipertensão, insuficiência cardíaca, diabetes. Além das doenças terminais como câncer e Aids. Medicamentos e drogas também levam á depressão como: cortisona, anfetaminas, pílulas anticoncepcionais, quimioterapia, álcool, crack, ecstasy e maconha.

Existem dois tipos de depressão: monopolar e bipolar. O transtorno bipolar se caracteriza por alterações de fases deprimidas com maníacas, de exaltação, alegria ou irritação do humor.Já a depressão monopolar só tem fases depressivas. O tratamento da depressão inclui o aconselhamento psiquiátrico e remédios antidepressivos. Após um tempo a depressão tende a melhorar, mas os pacientes devem continuar, por prazo indeterminado, se consultando com o especialista. Junto a medicação faz-se necessário a psicoterapia, a força de vontade do paciente , o auxílio da família e dos amigos e de um grupo de ajuda. O tratamento padrão para depressão – psicoterapia e prescrição medicamentosa – é extremamente efetivo, porém a prática de atividade física é uma terapia adjuvante altamente benéfica. As pesquisas demonstram que a prática de exercícios regulares, além dos benefícios fisiológicos, acarreta benefícios psicológicos, tais como: melhor sensação de bem estar, humor e auto-estima, assim como, redução da ansiedade, tensão e depressão (Costa, Soares e Teixeira, 2007). Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que os depressivos mais comuns são do sexo feminino.A OMS alerta também que embora a depressão possa manifestar-se em qualquer momento, a incidência mais alta é nas idades médias e que com tratamento correto, 70% a 90% dos pacientes recuperam-se.

A DEPRESSÃO E A CULTURA.

Qual seria a relação entre depressão e cultura? Estaria a depressão ligada ao cotidiano das pessoas, a rotina de trabalho, a convivência com os amigos e também as relações em família? Se tratando da vida em sociedade, observamos pessoas cada vez mais individualistas, as relações entre a comunidade estão se tornando cada vez menores, a busca por ser melhor que o outro, acaba deixando cada individuo isolado dos demais. Essa situação como outras já descritas, acabam deixando as pessoas isoladas e tristes, o que pode ser revertido, ou pode levar a depressão. Se tratando da rotina de trabalho, pode se notar que as pessoas estão a cada dia mais estressadas, focadas somente em seu ganho material, esquecendo-se do seu lado pessoal e o deixando de lado. Esse dia-a-dia “louco” de milhares de pessoas em todo o mundo, como estão mostrando jornais e revistas, acaba comprometendo a saúde dos indivíduos.Essas pessoas não levam em consideração o que alertam médicos e também psicólogos sobre os efeitos dessa rotina de trabalho desgastante, e podem acabar tendo sérios problemas de saúde. Quando se fala de amizades, muitos são os jovens que possuem grupos de amigos, mas há também aqueles que não se enquadram nesses grupos e acabam se tornando pessoas sozinhas. Essa solidão gera conflitos emocionais, e pode acarretar problemas como o uso de drogas, que acaba nessa situação sendo um refúgio para essas pessoas. O uso de drogas, está entre as causas da depressão.

As estruturas familiares são debatidas por vários especialistas, já que desde o século passado vêm sofrendo alterações em sua composição. As famílias hoje não convivem somente com o divórcio, mas hoje as crianças podem ter dois pais ou duas mães, os homossexuais também estão construindo seus lares. São essas inovações do contexto familiar que muitas vezes geram confusão para os filhos, que na maioria das vezes são os mais prejudicados com essas mudanças e que acabam sendo tidos como diferentes, nos locais públicos, com isso essas crianças acabam enfrentando além dos suas próprios conflitos , o preconceito que também irá provocar um transtorno para esses meninos e meninas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apresentada essa relação, faz-se necessário falar, que a depressão pode ser evitada, se tratando do cotidiano das pessoas, da rotina de trabalho, da convivência com os amigos e também das relações em família, toda essa discussão mostra que esses problemas tem causas originadas das próprias pessoas, ou de alguém próximo as elas. Ressalta-se aqui que a depressão não é uma simples doença e também que os casos de cura não são em 100% dos casos, por isso as pessoas devem estar atentas a esses problemas originários dessa doença, para que quando possível, evitá-la.

É importante também lembrar da figura do psicólogo em meio a esse contexto e valorizar sua ação junto a esses pacientes.

Creio que não é preciso ter o diagnostico de depressão para depois procurar ajuda e sim, procurar ajuda para preveni-lo.

Caló, F. A. Depressão: Definição, tratamento e ajuda, 2005.

Costa, R. A.; Soares, H. L. R.; Teixeira, J. A. C. Benefícios da atividade física e do exercício físico na depressão, 2007.

Dalgalarrondo, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed, 2000.

Ramos, M. Os sintomas depressivos e as relações sociais na terceira idade,2007.

Mente e corpo - amigos ou inimigos?


(Mayara Abreu Resende - 2º período de Psicologia - UFU)

“As dores de que padecem o corpo e a mente podem ser vistas com os olhos fechados: medo, vergonha, raiva, inveja... a cada um a parte apropriada do corpo responde com sua ação”. Hipócrates


Através deste ensaio pretende-se discorrer sobre a relação existente entre a mente e o corpo. Abordando algumas correntes da psicologia serão analisadas situações em que corpo e mente são teoricamente amigos, e outras em que são supostamente inimigos.

Descartes, imerso num contexto de interesse crescente pelas ciências naturais postulou a separação da mente e corpo, sendo o estudo da mente atribuído à religião e à filosofia, e o estudo do corpo, visto então como uma máquina, era objeto de estudo da medicina. Ele distinguia dois tipos de substâncias: uma substância pensante (mente) e uma substância expandida (corpo) e acreditava que apenas a última podia ser considerada parte da natureza, governada por suas leis físicas e exigências ontológicas.

Para Spinoza, a alma, ou melhor, a mente, é idéia do corpo. E este é um objeto realmente existente. Em sua obra Ethica ele concebe a natureza humana como constituída de dois atributos, a mente - uma idéia, e o objeto desta idéia - corpo.

Entretanto, esse pensamento dicotômico que divide mente e corpo tende a hierarquizar e classificar os dois termos de modo que um deles se torne privilegiado e o outro suprimido, subordinado. Porém nem a mente nem o corpo são subordinados um ao outro, pelo contrário, são dependentes, e não sobrevivem isoladamente.

Nossa mente é responsável pela elaboração de comandos estimuladores para o nosso corpo, as sinapses nervosas. A neurologia tem demonstrado que lesões no cérebro provocam alterações no comportamento. Isso pode ser observado no caso de acidentes com dano cerebral, que podem produzir dificuldades de raciocínio ou aumento da irritabilidade, chegando mesmo a modificações duradouras na personalidade.

Platão descrevia a alma (mente) como preexistente ao corpo e a ele sobrevivente, entretanto como Aristóteles ressaltou o organismo é a síntese de dois princípios: matéria e forma; mente e corpo. Assim no sujeito mente e corpo formam uma unidade indissolúvel. Não é possível que exista um corpo sem mente, nem uma mente sem o corpo.

O corpo segundo as concepções históricas do passado é uma máquina automotora, um artifício mecânico, funcionando de acordo com leis causais e leis da natureza.

A partir do início do século XX, com o desenvolvimento da teoria psicanalítica, Freud, através do conceito de determinismo psíquico, resgata a importância dos aspectos internos do homem, sinalizando a importância da mente. O início a psicanálise, entretanto partiu do corpo, com os estudos de Freud sobre a histeria e sua atenção às conversões. Como afirmou Freud, o ego é, primitivamente e antes de tudo, um ego corporal, ressalta-se nessa perspectiva a importância do corpo.

Enquanto o sujeito está vivo, a mente e o corpo formam uma unidade indissolúvel. O neuroanatomista português Damásio (2004) afirma que o pensamento e corpo embora distinguíveis, são produtos da mesma substância, Deus ou natureza. Esta referência de uma única substância serve ao propósito de apresentar a mente como inseparável do corpo.

Não existe corpo sem mente, nem mente sem corpo. O que existe é um organismo, um ser humano, composto de várias partes, entre elas a mente que responde as demandas do organismo e do ambiente. A mente precisa do corpo para ser mente, e o corpo precisa da mente para se comportar como ser humano.

Não existe separação fundamental entre mente e corpo, corpo e mente formam uma unidade. Uma pessoa é a soma total de suas experiências de vida, cada uma das quais é registrada na sua mente e estruturada em seu corpo.

Nós somos os nossos corpos como também nossos pensamentos, emoções, sensações, sentimentos e ações. Ser humano não é uma pessoa cuja mente domina o corpo, nem um corpo que domina a mente é uma pessoa que se reflete em seu corpo, e que tem um sentido de continuidade, pois vem do passado existe no presente e pertence ao futuro.

Apesar dos conhecimentos científicos, nosso pensamento comum separa de forma marcante a mente e o corpo, como se fossem duas coisas pertencentes a mundos distantes. Se a mente e corpo fossem mesmo diferentes, e se a mente fosse imaterial, como ela faria para influenciar o nosso corpo? Mente e corpo, indiscutivelmente unidos e necessários um ao outro.

Um psicólogo precisa entender que ao ajudar uma pessoa ele não conseguirá tratar a mente separada do corpo, pois ambos coexistem juntos. Ao conhecer a história da pessoa ele a ajudará a compreender os momentos difíceis de sua vida, suas emoções, que estão armazenados na mente, mas manifestadas através do corpo. Poderá trabalhar os conflitos do passado (e do presente) onde estão estruturados alguns bloqueios na mente, trabalhando conseqüentemente com o corpo, já que é nele que se exterioriza a história de vida da pessoa, entendendo essa relação indissolúvel entre mente e corpo ele terá condições para auxiliar no processo de reestruturação do futuro do sujeito.

Elizabeth Grosz (2000). Corpos reconfigurados. (incompleto)

Maria da Graça de Castro et al (2006). CONCEITO MENTE E CORPO ATRAVÉS DA HISTÓRIA. (incompleto)

Duda Teixeira. Espinoza e Reich: O corpo da alegria. (incompleto)

A Gestalt em nossas vidas


(Ana Paula Leite Oliveira - 2º período de Psicologia - UFU)

Nós seres humanos como animais dotados de consciência, somos capazes de alternar nossas percepções, fazendo escolhas entre as diversas possibilidades apresentadas pelo meio, e só então, temos acesso à realidade escolhida. Não somos capazes de captar simultaneamente situações discrepantes. Aquilo que percebemos do mundo é consequência daquilo que escolhemos perceber. Somos seres de percepção e seres de organização (do mundo, das coisas que nos cercam), e assim como organizamos o meio temos que organizar nossa psique, nosso ser, nossa consciência no tempo e no espaço em que vivemos. Às vezes nos enraizamos em um único ponto de vista e não nos dispomos a sair dele, acreditando que essa é a única visão correta acerta das situações apresentadas. No entanto, para melhor interagirmos com o meio, com a sociedade na qual estamos inseridos, o ideal é que tenhamos uma visão ampla das coisas, e para isso precisamos mudar nossos pontos de vista, devemos nos permitir ver as coisas de outro modo e permitir que outras pessoas nos mostrem seus pontos de vista. Temos que buscar a flexibilidade.

Abrangendo essa perspectiva, a abordagem gestáltica enfatiza que o homem não pode ser estudado separado em partes, de modo analítico. Funcionamos como um todo, um conjunto organizado em que “o todo é maior do que a soma das partes”. De acordo com Kurt Goldstein, neurologista criador da Teoria Organísmica, a auto-regulação é uma das características fundamentais do funcionamento de qualquer organismo (LIMA, 2009). Para ele a auto-regulação organísmica é uma forma de o homem interagir com o mundo, em que podemos nos atualizar, respeitando nossa natureza da melhor maneira possível. Para que essa auto-regulação aconteça, é fundamental que tenhamos novas respostas para as situações pelas quais passamos em nossa permanente interação com o meio. Segundo citação do autor (GOLDSTEIN, 1995, p. 50): “O meio-ambiente de um organismo não é absolutamente algo definido e estático, pelo contrário, está em metamorfose contínua, comensurável com o desenvolvimento do organismo e sua atividade”. Diante disso é possível acreditar que nos auto-regulamos, optando pela execução de ações que nos satisfaçam em detrimento de outras, e quando tal satisfação é completada, essa deixa de ser o foco e damos então prioridade a outras ações.

A perspectiva anteriormente exposta ilustra uma das principais questões trabalhadas na Gestalt-terapia, a questão figura-fundo. Nesse cenário, ocorre muitas vezes de não conseguirmos visualizar o que se passa em nossas vidas. Aí então, a ação do Gestalt-terapeuta é nos auxiliar a enxergar as situações diárias em que estamos inseridos, buscando para isso um fundo condizente com tais vivências. Uma vez que, sem um fundo não somos capazes de enxergar a figura. Por exemplo, sem sabermos o que é doença, não conheceremos a saúde; não sabemos o que é delicadeza sem sabermos o que é violência. O que para nós hoje pode ser figura, um dia passará a ser fundo, aí então desejaremos uma nova figura, assim como explicado por Kurt Goldstein. Cabe também a nós, sermos flexíveis pra sabermos enxergar corretamente o que é cada um desses elementos em cada dado momento.

Nesse aspecto, cada momento de nossa vida é constituído por uma Gestalt, em que seu início se dá com a criação de uma figura e seu fim, na transformação dessa figura em fundo. É de suma importância que cada uma dessas etapas se conclua corretamente, se encerre. Caso contrário, nos tornamos pessoas com uma bagagem de gestalts inacabadas, que cedo ou tarde se transformarão em sentimentos conflituosos e problemáticos. Gestalt incompleta é um assunto pendente que exige resolução. Normalmente, isso assume a forma de sentimentos não resolvidos expressos de maneira incompleta. Segundo Dudenhoeffer (s/d) "O ser humano é um colecionador de despedidas mal feitas, de olhares mal dados para as vivências de perdas. O que foi vivido, em muitas situações, só é realmente fechado, ao retornar numa vivência de situação presente, que facilite o aparecimento do real acontecimento, com sua intensidade perceptível e assumida" (p. 2).

A consequência mais frequente de uma gestalt incompleta é sua manifestação na forma de alguma doença. Somos uma unidade mente-corpo, o que ocorre em uma parte afeta o todo. A maioria das doenças está na dependência tanto de fatores físicos como emocionais. Cracel (2005) explicita que "O ser humano é uma unidade complexa, composto de vários sistemas que entrelaçados e coordenados buscam atingir um funcionamento harmonioso. Esses sistemas têm como objetivo integrar o indivíduo como um todo, envolvendo aspectos psicológicos, físicos, químico e biológicos sob influência das relações sociais" (p.15).

Somos compostos por partes, sendo cada parte integrada em uma diferente Gestalt. Nosso corpo e mente são indissociáveis. Somos um todo em que nossas partes influenciam e são influenciadas. O que acreditamos ser não necessariamente é, ao passo de que o que é pode a qualquer momento passar a não ser. Nessa espiral figura-fundo vamos constituindo nossas vidas, nos auto-regulando sempre em busca de uma harmonia individual e também para com o meio no qual estamos inseridos.

Cracel, D. L. (setembro de 2005). Síndrome do Pânico dentro de várias visões com ênfase em Gestalt-terapia.

Dudenhoeffer, M. C. (s.d.). “Da perda à saudade“ A despedida enquanto processo.

Goldstein, K. The Organism. Nova York: Zone Books, 1995.

Lima, P. A. (1º Semestre de 2009). Criatividade na Gestalt-terapia. Estudos e Pesquisas em Psicologia, UERJ, RJ , pp. 87-97.


Sobre a liberdade

(Isabela Nunes - 2º período de Psicologia-UFU)

O presente ensaio discorre sobre a antinomia determinismo-liberdade. Parto da seguinte questão: será que a fenomenologia supera essa antinomia? Na mitologia grega, “ As Moiras” ( divindades mitológicas), são três irmãs que dirigem o movimento das esferas celestiais, presidem o destino, a harmonia dos contrários e a sorte dos mortais. Elas se dividem em diversas funções: Cloto que tece o fio dos destinos humanos; Láqueis (sorte) põe o fio no fuso e Átropos ( inflexível) corto o fio que mede a vida de cada mortal. Nesse sentido, fica clara a idéia de que a ação humana é submetida pelos desígnos divinos.

No ideal dos comportamentalistas (behavioristas) clássicos, todos os atos humanos são cientificamente planejados e controlados, descartando a análise das intenções e motivações. Faço essas subjeções à mitologia e ao Behaviorismo, para demonstrar a aproximação de ambas, apesar de um ser mítico e a outra científica, percebo que não há liberdade para o ser humano, porque segundo o mito “As Moiras” o homem encontra-se submetido ao destino inexorável, e no discurso científico ele está sujeito ao determinismo.

Mas o que vem a ser determinismo? De acordo com Aranha e Arruda (2003.p.317)”Determinismo científico, tudo que existe tem uma causa. O mundo explicado pelo princípio do determinismo é o mundo da necessidade, e não o da liberdade”. Quando se diz que o mundo explicado pelo determinismo é o da necessidade, afirmo que seria impossível estabelecer qualquer lei sem o determinismo. Isso se confirma nas ciências físicas, químicas e biológicas que procuram descobrir as relações constantes e necessárias entre os fenômenos. Não haveria conhecimento científico se tudo fosse contingente, isto é, pudesse acontecer ora de uma forma, ora de outra. Contrapondo às concepções deterministas, discuto o conceito de liberdade. Segundo Aranha e Arruda (2003.p.318) “Ser livre é decidir e agir como se quer, sem determinação causal, seja exterior (ambiente em que se vive), seja interior (desejos, motivações psicológicas, caráter). Mesmo admitindo que tais forças existam, o ato livre pertencia a uma esfera independente em que se perfaz a liberdade humana. Ser livre é, portanto ser incausado”.

O filósofo holandês Espinosa, em suas teorias em relação à liberdade, propõe que não “interessa” saber se somos livres ou determinados, mas como a partir dos determinismos conseguiremos exercer a liberdade que de acordo com esse autor (Apud Chauí (1995.p.72) a liberdade é “... reconhecer-se como causa eficiente interna dos apetites e imagens, dos desejos e idéias, afastando a miragem ilusória das causas finais exteriores [...]”

A partir do século XX, muitos filósofos da corrente fenomenológica abordaram a questão da liberdade na tentativa de superar a antinomia entre determinismo-liberdade. Esses filósofos consideram que as discussões sobre a liberdade não se faz em um plano teórico, abstrato e racionalista, mas sim a partir da liberdade do próprio sujeito. Na fenomenologia os dois pólos determinismo-liberdade são traduzidos como a facticidade e a transcendência humana (Aranha e Arruda 2003). Esses pólos são contraditórios, porém ligados. A facticidade é conjunto de determinações que todo ser humano tem, ou seja, encontramo-nos no mundo com um corpo, com características psicológicas e pertencentes a um grupo social, no entanto não estamos no mundo como as coisas estão. O humano é um ser que pode ir além dessas determinações, não pra negá-las, mas para lhe dar um sentido. Essa é a dimensão da liberdade.

Maurice Merleau-Ponty relaciona a questão da liberdade à compreensão do corpo, entendido como a condição de nossa experiência no mundo, desfazendo a idéia tradicional de que um lado existe o mundo dos objetos, do corpo, da pura facticidade e de outro, o mundo da consciência e da subjetividade, da transcendência. Segundo Merleau-Ponty (1999.p.608-609) “O que é então a liberdade? Nascer é ao mesmo tempo nascer no mundo. O mundo está constituído, mas também não está nunca completamente constituído. Sob o primeiro aspecto, somos solicitados, sob o segundo, somos abertos a uma infinidade de possíveis. Mas esta análise ainda é abstrata, pois existimos sob os dois aspectos ao mesmo tempo. Portanto, nunca há determinismos e nunca há escolha absoluta [...]”

Portanto, parto do pressuposto que a fenomenologia não supera a antinomia determinismo-liberdade, e sim vai além de estereótipos estabelecidos do que vem a ser liberdade e determinismo, propondo que “nunca há determinismo e nunca há escolhas absolutas”, ou seja, nunca sou coisa e nunca sou consciência nua.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Introdução à Filosofia. São Paulo, 2003.p.317-318.

CHAUI, Marilena. Espinosa, uma filosofia da liberdade. São Paulo, 1995.p.72. (coleção logos).

MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo, Martins Fontes, 1999.p.608-609.

Psicologia e Ciência

(LORENA LADICO TRINDADE - acadêmica do Curso de Psicologia - UFU)

O surgimento da Psicologia como ciência independente, só teve significância a partir da segunda metade do século XIX. Porém, até hoje, há uma forte relação entre as ciências biológicas e sociais. De acordo com o filósofo positivista francês, Augusto Comte (1798-1853) há a possibilidade do surgimento da Psicologia como ciência, porém sempre haverá relação significativa entre a biologia e a sociologia, pois devido o objeto de estudo da Psicologia ser a “psique”, a mente, para o positivismo não é considerado um objeto observado. Assim, sempre necessitará estar relacionado às outras duas ciências.

Para a maioria dos cientistas, a ciência necessita dos fenômenos naturais, porém além de conhecê-los, se acham no direito de dominá-los e manipulá-los utilizando experimentos bem controlados. Contudo, a Psicologia possui o conhecimento desses fenômenos, mas não é capaz de controlá-los, pois o fenômeno natural principal da Psicologia é o homem, e este está em constante mudança logo, não pode ser um experimento controlado.

As ciências exatas valorizam a objetividade, desvalorizando os fenômenos das ciências naturais, incluindo a subjetividade, o próprio eu, a experiência e os preconceitos do cientista, acreditando assim, na obtenção do conhecimento verdadeiro. A Psicologia para se enquadrar no âmbito da ciências, necessitou de um método e técnicas rigorosas, mas além disso duas condições são extremamente importantes. Primeiramente, o conhecimento da subjetividade particular e, segundo o conhecimento da crise dessa subjetividade. Nós, do pós-moderno, temos clareza da existência da subjetividade de cada um, destacando os pensamentos, o desejo de liberdade e a autonomia de escolha. Contudo, nem sempre foi assim, no período medieval, a idéia de subjetividade era totalmente encoberta e os pensamentos eram voltados ao clero e a nobreza, não havendo espaço para si próprio.

A noção de subjetividade surge com a transição do Renascimento para a Idade Moderna, devido às crises sociológicas, levando assim o Homem a uma condição de desamparo. No Renascimento surge uma das primeiras grandes crises subjetivas do mundo ocidental, foi um período marcado por grande produção de conhecimento, uma diversidade de opiniões, valorização do homem no centro do mundo, e a crise no pensamento religioso. Sendo que a religião é um dos sistemas que mais acompanham o processo de subjetivação e individualização, logo quando aparece uma crise na sociedade ou na própria religião, surgem novos sistemas religiosos para amparar os indivíduos, as famílias e a população de maneira geral. Um exemplo histórico disso é a Reforma Protestante, um movimento fundamental para a formação do sujeito moderno.

A subjetividade é reciclada, na medida em que há uma desagregação das antigas tradições, os ideiais sociais se modificam e quando há uma crise na sociedade, leva o “eu” particular a se confrontar com as novas situações. A constituição e desenvolvimento da subjetividade podem ser observados nas obras literárias, um exemplo relacionado são as obras de William Shakespeare. Em Romeu e Julieta é uma das primeiras obras que apresenta o sentimento individualista, não como uma exposição punitiva para castigar, banir ou matar, mas sim como autonomia, liberdade de escolha (Antropologia e Comunicação: princípios radicais,1989, p.187).

O tema liberdade também foi discutido pelo humanista Pico Della Mirandola (1463-1494), que no final do século XV chega a conclusão que o grande dom concedido por Deus ao homem foi a liberdade, que através da responsabilidade e disciplina o ser humano conseguiria encontrar o caminho certo. Outro momento que marca a crise do sujeito moderno é o Romantismo, aprofundando mais uma vez na valorização da individualidade e da intimidade. Podemos afirmar que o Homem moderno está vivendo uma outra crise no seu “eu” relacionado com o consumismo exagerado, o estresse físico e emocional, além da falta de limites e a dificuldade de fazer laços mostram um sujeito completamente defasado em relação às transformações exacerbadas da sociedade(Correa, 2010).

Desde o século XIX, com desenvolvimento industrial baseado na produção padronizada e mecanizada, cresce o consumo exagerado a tal ponto, de que compra-se por comprar sem a necessidade de utilização do produto. Assim, surge uma grande massa de pessoas alienadas com graves problemas psicológicos que, infelizmente, acreditam que a verdadeira felicidade está nos objetos adquiridos. De acordo com Figueiredo e Santi (2003), “fazer ciência é sempre ir alem das aparências.” Ou seja, é preciso estudar e questionar a fundo essas aparências, como no caso da crise da subjetividade particular em que, começa a ser questionada quando se descobre que a liberdade e a diferença são, na verdade ilusões. Com isso, as crises, lutas e guerras foram desencadeadas devido cada pessoa tratar a liberdade e interesses particulares como uma verdade absoluta.

Assim, o alto grau de solidão e individualismo presente nos séculos XIX e XX ajudou sem duvida, na formação do caráter da sociedade de hoje. Se pensarmos, hoje, na sociedade como um grupo, um conjunto de seres e pessoas foi porque houve uma forte mudança no pensamento humano ao longo da história. A experiência da subjetividade particular enquadrando a liberdade, sentimento, desejos de independência dos demais membros da sociedade foi uma precondição para a formulação da Psicologia científica. A Psicologia quando é inserida no campo da ciência deve acompanhar o desenvolvimento das sociedades. Pois não há como desvincular o ser humano de sua cultura. Devemos ressaltar que o desenvolvimento da subjetividade particular não foi um processo linear e universal, cada sociedade possui sua singularidade

CORREA, Crishna Mirella de Andrade. Sujeito e direito: subjetividade na modernidade e o papel da lei. Disponível em: . Acesso em: 09 jun. 2010.

FIGUEIREDO, Luís Claudio M.; SANTI, Pedro Luíz Ribeiro de.Psicologia: uma (nova) introduçao. Sao Paulo: Educ, 2003

RODRIGUES, Jose Carlos. Antropologia e Comunicação: princípios radicais. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1989.