1 de jul. de 2010

Psicologia e Ciência

(LORENA LADICO TRINDADE - acadêmica do Curso de Psicologia - UFU)

O surgimento da Psicologia como ciência independente, só teve significância a partir da segunda metade do século XIX. Porém, até hoje, há uma forte relação entre as ciências biológicas e sociais. De acordo com o filósofo positivista francês, Augusto Comte (1798-1853) há a possibilidade do surgimento da Psicologia como ciência, porém sempre haverá relação significativa entre a biologia e a sociologia, pois devido o objeto de estudo da Psicologia ser a “psique”, a mente, para o positivismo não é considerado um objeto observado. Assim, sempre necessitará estar relacionado às outras duas ciências.

Para a maioria dos cientistas, a ciência necessita dos fenômenos naturais, porém além de conhecê-los, se acham no direito de dominá-los e manipulá-los utilizando experimentos bem controlados. Contudo, a Psicologia possui o conhecimento desses fenômenos, mas não é capaz de controlá-los, pois o fenômeno natural principal da Psicologia é o homem, e este está em constante mudança logo, não pode ser um experimento controlado.

As ciências exatas valorizam a objetividade, desvalorizando os fenômenos das ciências naturais, incluindo a subjetividade, o próprio eu, a experiência e os preconceitos do cientista, acreditando assim, na obtenção do conhecimento verdadeiro. A Psicologia para se enquadrar no âmbito da ciências, necessitou de um método e técnicas rigorosas, mas além disso duas condições são extremamente importantes. Primeiramente, o conhecimento da subjetividade particular e, segundo o conhecimento da crise dessa subjetividade. Nós, do pós-moderno, temos clareza da existência da subjetividade de cada um, destacando os pensamentos, o desejo de liberdade e a autonomia de escolha. Contudo, nem sempre foi assim, no período medieval, a idéia de subjetividade era totalmente encoberta e os pensamentos eram voltados ao clero e a nobreza, não havendo espaço para si próprio.

A noção de subjetividade surge com a transição do Renascimento para a Idade Moderna, devido às crises sociológicas, levando assim o Homem a uma condição de desamparo. No Renascimento surge uma das primeiras grandes crises subjetivas do mundo ocidental, foi um período marcado por grande produção de conhecimento, uma diversidade de opiniões, valorização do homem no centro do mundo, e a crise no pensamento religioso. Sendo que a religião é um dos sistemas que mais acompanham o processo de subjetivação e individualização, logo quando aparece uma crise na sociedade ou na própria religião, surgem novos sistemas religiosos para amparar os indivíduos, as famílias e a população de maneira geral. Um exemplo histórico disso é a Reforma Protestante, um movimento fundamental para a formação do sujeito moderno.

A subjetividade é reciclada, na medida em que há uma desagregação das antigas tradições, os ideiais sociais se modificam e quando há uma crise na sociedade, leva o “eu” particular a se confrontar com as novas situações. A constituição e desenvolvimento da subjetividade podem ser observados nas obras literárias, um exemplo relacionado são as obras de William Shakespeare. Em Romeu e Julieta é uma das primeiras obras que apresenta o sentimento individualista, não como uma exposição punitiva para castigar, banir ou matar, mas sim como autonomia, liberdade de escolha (Antropologia e Comunicação: princípios radicais,1989, p.187).

O tema liberdade também foi discutido pelo humanista Pico Della Mirandola (1463-1494), que no final do século XV chega a conclusão que o grande dom concedido por Deus ao homem foi a liberdade, que através da responsabilidade e disciplina o ser humano conseguiria encontrar o caminho certo. Outro momento que marca a crise do sujeito moderno é o Romantismo, aprofundando mais uma vez na valorização da individualidade e da intimidade. Podemos afirmar que o Homem moderno está vivendo uma outra crise no seu “eu” relacionado com o consumismo exagerado, o estresse físico e emocional, além da falta de limites e a dificuldade de fazer laços mostram um sujeito completamente defasado em relação às transformações exacerbadas da sociedade(Correa, 2010).

Desde o século XIX, com desenvolvimento industrial baseado na produção padronizada e mecanizada, cresce o consumo exagerado a tal ponto, de que compra-se por comprar sem a necessidade de utilização do produto. Assim, surge uma grande massa de pessoas alienadas com graves problemas psicológicos que, infelizmente, acreditam que a verdadeira felicidade está nos objetos adquiridos. De acordo com Figueiredo e Santi (2003), “fazer ciência é sempre ir alem das aparências.” Ou seja, é preciso estudar e questionar a fundo essas aparências, como no caso da crise da subjetividade particular em que, começa a ser questionada quando se descobre que a liberdade e a diferença são, na verdade ilusões. Com isso, as crises, lutas e guerras foram desencadeadas devido cada pessoa tratar a liberdade e interesses particulares como uma verdade absoluta.

Assim, o alto grau de solidão e individualismo presente nos séculos XIX e XX ajudou sem duvida, na formação do caráter da sociedade de hoje. Se pensarmos, hoje, na sociedade como um grupo, um conjunto de seres e pessoas foi porque houve uma forte mudança no pensamento humano ao longo da história. A experiência da subjetividade particular enquadrando a liberdade, sentimento, desejos de independência dos demais membros da sociedade foi uma precondição para a formulação da Psicologia científica. A Psicologia quando é inserida no campo da ciência deve acompanhar o desenvolvimento das sociedades. Pois não há como desvincular o ser humano de sua cultura. Devemos ressaltar que o desenvolvimento da subjetividade particular não foi um processo linear e universal, cada sociedade possui sua singularidade

CORREA, Crishna Mirella de Andrade. Sujeito e direito: subjetividade na modernidade e o papel da lei. Disponível em: . Acesso em: 09 jun. 2010.

FIGUEIREDO, Luís Claudio M.; SANTI, Pedro Luíz Ribeiro de.Psicologia: uma (nova) introduçao. Sao Paulo: Educ, 2003

RODRIGUES, Jose Carlos. Antropologia e Comunicação: princípios radicais. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1989.

Nenhum comentário: