O presente ensaio discorre sobre a antinomia determinismo-liberdade. Parto da seguinte questão: será que a fenomenologia supera essa antinomia? Na mitologia grega, “ As Moiras” ( divindades mitológicas), são três irmãs que dirigem o movimento das esferas celestiais, presidem o destino, a harmonia dos contrários e a sorte dos mortais. Elas se dividem em diversas funções: Cloto que tece o fio dos destinos humanos; Láqueis (sorte) põe o fio no fuso e Átropos ( inflexível) corto o fio que mede a vida de cada mortal. Nesse sentido, fica clara a idéia de que a ação humana é submetida pelos desígnos divinos.
No ideal dos comportamentalistas (behavioristas) clássicos, todos os atos humanos são cientificamente planejados e controlados, descartando a análise das intenções e motivações. Faço essas subjeções à mitologia e ao Behaviorismo, para demonstrar a aproximação de ambas, apesar de um ser mítico e a outra científica, percebo que não há liberdade para o ser humano, porque segundo o mito “As Moiras” o homem encontra-se submetido ao destino inexorável, e no discurso científico ele está sujeito ao determinismo.
Mas o que vem a ser determinismo? De acordo com Aranha e Arruda (2003.p.317)”Determinismo científico, tudo que existe tem uma causa. O mundo explicado pelo princípio do determinismo é o mundo da necessidade, e não o da liberdade”. Quando se diz que o mundo explicado pelo determinismo é o da necessidade, afirmo que seria impossível estabelecer qualquer lei sem o determinismo. Isso se confirma nas ciências físicas, químicas e biológicas que procuram descobrir as relações constantes e necessárias entre os fenômenos. Não haveria conhecimento científico se tudo fosse contingente, isto é, pudesse acontecer ora de uma forma, ora de outra. Contrapondo às concepções deterministas, discuto o conceito de liberdade. Segundo Aranha e Arruda (2003.p.318) “Ser livre é decidir e agir como se quer, sem determinação causal, seja exterior (ambiente em que se vive), seja interior (desejos, motivações psicológicas, caráter). Mesmo admitindo que tais forças existam, o ato livre pertencia a uma esfera independente em que se perfaz a liberdade humana. Ser livre é, portanto ser incausado”.
O filósofo holandês Espinosa, em suas teorias em relação à liberdade, propõe que não “interessa” saber se somos livres ou determinados, mas como a partir dos determinismos conseguiremos exercer a liberdade que de acordo com esse autor (Apud Chauí (1995.p.72) a liberdade é “... reconhecer-se como causa eficiente interna dos apetites e imagens, dos desejos e idéias, afastando a miragem ilusória das causas finais exteriores [...]”
A partir do século XX, muitos filósofos da corrente fenomenológica abordaram a questão da liberdade na tentativa de superar a antinomia entre determinismo-liberdade. Esses filósofos consideram que as discussões sobre a liberdade não se faz em um plano teórico, abstrato e racionalista, mas sim a partir da liberdade do próprio sujeito. Na fenomenologia os dois pólos determinismo-liberdade são traduzidos como a facticidade e a transcendência humana (Aranha e Arruda 2003). Esses pólos são contraditórios, porém ligados. A facticidade é conjunto de determinações que todo ser humano tem, ou seja, encontramo-nos no mundo com um corpo, com características psicológicas e pertencentes a um grupo social, no entanto não estamos no mundo como as coisas estão. O humano é um ser que pode ir além dessas determinações, não pra negá-las, mas para lhe dar um sentido. Essa é a dimensão da liberdade.
Maurice Merleau-Ponty relaciona a questão da liberdade à compreensão do corpo, entendido como a condição de nossa experiência no mundo, desfazendo a idéia tradicional de que um lado existe o mundo dos objetos, do corpo, da pura facticidade e de outro, o mundo da consciência e da subjetividade, da transcendência. Segundo Merleau-Ponty (1999.p.608-609) “O que é então a liberdade? Nascer é ao mesmo tempo nascer no mundo. O mundo está constituído, mas também não está nunca completamente constituído. Sob o primeiro aspecto, somos solicitados, sob o segundo, somos abertos a uma infinidade de possíveis. Mas esta análise ainda é abstrata, pois existimos sob os dois aspectos ao mesmo tempo. Portanto, nunca há determinismos e nunca há escolha absoluta [...]”
Portanto, parto do pressuposto que a fenomenologia não supera a antinomia determinismo-liberdade, e sim vai além de estereótipos estabelecidos do que vem a ser liberdade e determinismo, propondo que “nunca há determinismo e nunca há escolhas absolutas”, ou seja, nunca sou coisa e nunca sou consciência nua.
CHAUI, Marilena. Espinosa, uma filosofia da liberdade. São Paulo, 1995.p.72. (coleção logos).
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo, Martins Fontes, 1999.p.608-609.
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