Mayara Abreu Resende (Estudante do 2º período de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia – UFU)
Através desse ensaio pretendo discorrer sobre a noção que temos do ‘tempo’, bem como comentar sobre a importância desse conhecimento na prática clínica do psicólogo.
Todas as pessoas possuem dimensões temporais diferentes, sejam elas externas, como a sua idade cronológica, ou internas como as suas vivências pessoais e aquilo que foi apreendido por suas experiências. Com um padrão cronológico específico para cada etapa de vida, o ser humano vai se desenvolvendo. Nas etapas de desenvolvimento - infância, adolescência, idade adulta e velhice, o tempo delineia suas peculiaridades.
Segundo Piaget no comportamento motor da criança, no início da infância, há um padrão de respostas motoras indiferenciadas, e depois, com o desenvolvimento do sistema nervoso central e o crescimento e a maturação biológica, dentro de um intervalo de tempo, há um refinamento progressivo na capacidade de controlar a atividade motora. A criança apresenta, também, uma evolução temporal progressiva em relação ao desenvolvimento cognitivo: período sensório-motor (o bebê utiliza reflexos motores e sensoriais inatos para interagir e acomodar-se ao mundo exterior, tornando-se intencional em suas ações);
Já no período pré-operacional (as crianças começam a pensar simbolicamente, mas não entendem as relações de causa-efeito pelo fato de o pensamento ser pré-lógico); período das operações concretas (as crianças desenvolvem as habilidades conceituais e o pensamento torna-se organizado e lógico) e período das operações formais (o indivíduo pensa em termos abstratos e lida com situações hipotéticas). Na adolescência surgem transformações corporais, psicológicas e sociais profundas, há uma aceleração no desenvolvimento cognitivo e a consolidação da personalidade, um intensivo preparo para a fase adulta. A velhice, outro exemplo de etapa de desenvolvimento, é caracterizada por diversos aspectos de passagem do tempo: tempo físico - relacionado à idade do organismo; tempo biológico - relacionado ao relógio biológico, refletindo modificações no relógio interno, e o tempo psicológico - o mundo como é percebido e vivenciado pelo indivíduo - que enfrenta nova definição de papéis (sentir desvalorização, apatia, insegurança, perda da motivação, isolamento social e solidão).
É de fundamental importância para um psicólogo compreender o tempo de cada indivíduo, seja o tempo vivido objetivamente (cronológico), como o tempo que sentimos ter vivido (subjetivo). Em todos os indivíduos coexistem esses dois tempos, o tempo cronológico - Chrónos e, o tempo subjetivo – Kairós.
Um dos objetivos principais no trabalho do psicólogo comportamental passa pela avaliação e intervenção na modificação de comportamentos que estejam a interferir no bem-estar da pessoa e/ou de quem a rodeia. Se uma pessoa está em sofrimento devido a uma problemática ou acontecimento de vida, a terapia poderá ajudá-la a reencontrar o equilíbrio emocional e a desenvolver um processo de aprendizagem que lhe permite lidar mais facilmente com adversidades futuras.
Para realizar o seu trabalho, o psicólogo baseia-se em alguns pontos fundamentais que possam garantir uma verdadeira relação de ajuda para com o seu paciente, e para que essa interação psicólogo – paciente seja efetiva e produza resultados, o psicólogo precisa compreender seu paciente, e entender que cada um possui em si uma noção de tempo diferente. É preciso que haja consciência e aceitação das diferenças individuais.
O que realmente é tempo? Um dos maiores problemas nas discussões sobre o tempo é o uso rotineiro de sua noção, a qual oculta grandes questões não resolvidas que se escondem, por exemplo, por trás das inquietações do homem sobre sua origem e finitude. As dificuldades de reflexão, as tentativas de definição do tempo, refletem na noção errônea de tempo existente na sociedade.
A noção de tempo normalmente serve para determinar o antes e o depois de processos muito variados, assim os homens têm facilmente a impressão de que o tempo existe, independente de qualquer seqüência de referência que tenha sido socialmente padronizada. O que chamamos de tempo é um elemento comum a uma diversidade de processos específicos que os homens procuram marcar com a ajuda de relógios ou calendários. A padronização social do tempo inscreve-se na consciência individual sólida e profundamente, levando muitas pessoas a ignorar seu tempo individual; esse processo resulta muitas das vezes em problemas psicológicos.
Chrónos: o tempo objetivo. A palavra Chrónos é de origem grega, e significa tempo. Chrónos refere-se ao tempo seqüencial, objetivo, que pode ser medido, contado, aquele que conhecemos o início e o fim. Chrónos é o tempo físico, contado, que guia o mundo em dias, horas, minutos, segundos, anos. É de certa maneira, concreto, homogêneo, contínuo e regular. Na maioria das vezes esse tempo cronológico não coincide com a visão de tempo de cada pessoa. Chrónos exatamente contado e calculado pela ciência através de relógios e calendários, não é o mesmo que as pessoas sentem ocorrer entre um instante e outro. Isso ocorre devido às experiências pessoais do indivíduo. Kairós é o tempo subjetivo. A palavra Kairós é de origem grega, e significa tempo existencial, é a experiência do momento oportuno, o tempo em potencial, tempo eterno. Ao contrário de Chrónos não pode ser medido nem calculado, já que este não possui início nem fim, não tem presente, nem passado, nem futuro. É um momento indeterminado no tempo em que algo especial acontece, a experiência do momento oportuno. É o tempo subjetivo, interno e pessoal, é a noção que cada um tem, é o que sentimos ocorrer entre um instante e outro, independente do tempo cronológico que se passou. Kairós é abstrato, heterogêneo e indefinido. É aquele vivido pelos homens, que na maioria das vezes não coincide com o tempo cronológico, já que as vivências humanas são pessoais, e sentidas de formas diferentes por cada um.
O papel do psicólogo
O papel do psicólogo clínico é auxiliar pessoas que vivenciam problemas que estejam interferindo em seu bem estar psíquico. Para que isso aconteça é necessário que esse profissional acolha a pessoa em todas as suas dimensões e, entre elas, está ‘o tempo’. Após compreender que cada indivíduo possui um tempo particular, no qual suas vivências ganham importância e significado, caberá ao psicólogo auxiliá-lo na compreensão de si mesmo. O psicólogo ajudará a pessoa a compreender melhor a própria subjetividade, buscando no inconsciente os conteúdos que para aquela pessoa tem significado e importância, auxiliando-a para que esses conteúdos sejam compreendidos no mundo objetivo. Esse é o papel dos clínicos que seguem uma abordagem psicanalítica. O psicanalista procura auxiliar seu paciente trazendo situações do Kairós para o Chrónos. Um exemplo pode ser observado em relatos de pessoas que falam sobre coisas que vivenciaram, porém desordenadamente, ou seja, situações que não estão cronologicamente corretas, mas que são importantes para elas.
Considerações finais
Quando uma pessoa é auxiliada na compreensão do seu mundo subjetivo, ela própria passará a criar um novo significado para sua existência, através da compreensão de suas dificuldades e enfrentamento dos seus problemas, diferenciando seu presente, passado, e futuro, acreditando em suas capacidades e administrando, assim, um modo saudável de vida.
1- ELIAS, N. Sobre o tempo. Tradução: Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. 165 p.
2- Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica - versão impressa - Ágora (Rio J.) v.9 n.2 Rio de Janeiro jul./dez. 2006.
3- Psicologia: ciência e profissão - versão impressa - Psicol. cienc. prof. v.28 n.2 Brasília jun. 2008.
4- Psychê - versão impressa - Psychê v.9 n.15 São Paulo jun. 2005.
5- BION, Wilfred. Os elementos da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1966.
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